"A Opinião" de Fernanda Câncio, na Manhã TSF.
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Ontem à tarde, ouvi alguém, na TV, acusar "os políticos" de "quererem impedir a investigação da corrupção". Dizia a voz: "Há uma intenção clara de querer controlar a magistratura e percebemos por que querem efectuar esse controlo (...). Isto é uma reacção normal do poder político ao combate à corrupção."
Pensei que estava a ouvir um daqueles programas de "opinião pública" nos quais anónimos despejam alegremente delírios, insultos e difamações. Mas não: era o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas.
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Estava a comentar a proposta do PSD para alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público, órgão disciplinar e de gestão deste corpo judicial. Na proposta, o Conselho, de 19 membros, deixaria de ter uma maioria de magistrados - 12 - e passaria a ter uma maioria de nomeados pelos órgãos democráticos. O Parlamento, que actualmente elege 5, escolheria 6; o Presidente, que neste momento não nomeia nenhum, indicaria 2. Somados aos 2 que o Governo, através do Ministério da Justiça, já nomeia, seriam 10.
Dizia Ventinhas: "Não podem esperar que os sindicatos e outros operadores judiciários assistam passivamente à destruição do sistema de justiça e ao fim do combate à corrupção sem que digam uma única palavra. (...) Sei que nos querem calar relativamente a essa matéria, mas, enquanto tivermos a possibilidade, continuaremos a denunciar o que se está a passar. Não estamos a querer condicionar ninguém, mas não deixaremos de ter a nossa voz, não deixaremos de dizer que o combate à corrupção pode sofrer um forte revés se estas medidas forem para a frente."
Eis um magistrado sem dúvidas nem necessidade de provas. Antes de qualquer evidência, de qualquer facto, já tem um veredicto, baseado exclusivamente na sua convicção (ou obsessão): o poder democraticamente eleito é corrupto, quer "destruir o sistema de justiça" e "acabar com o combate à corrupção."
Para António Ventinhas, quem defende realmente a democracia, quem a encarna e interpreta melhor é um corpo especial de funcionários. Não eleitos, inamovíveis, com o poder de perseguir criminalmente, de escutar, de processar e arquivar. Que se fiscalizam a si mesmos e que, ao menor sinal de que podem ser submetidos a qualquer tipo de sindicância ou controlo, disparam ameaças e acusações, não hesitando em apelidar de criminosos aqueles que crêem seus inimigos. Reconfortante, saber que temos pessoas assim no Ministério Público.
Se há magistrados do MP que não se revêem neste espectáculo de insultos e difamação da democracia protagonizado por António Ventinhas? Decerto. Mas quando a própria procuradora-geral da República participa na chantagem às instituições democráticas, ameaçando demitir-se caso a proposta do PSD passe, temos de concluir que algo de muito errado se passa no Ministério Público. E que Rui Rio tem razão. E coragem.
*a autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990