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Após a conquista da Presidência francesa em 2017, Emanuel Macron transformou-se no ícone político da opinião pública europeia. A forma como um moderado derrotou consecutivamente o populismo francês tranquilizou o velho continente e prendeu as atenções na sua liderança. A vitória nas Presidenciais deste ano, arrancada a ferros perante uma França dividida entre nacionalistas e europeístas, acentuou a necessidade de a Europa ter vozes fortes.
Mas vai um passo de gigante entre as palavras e os atos. Tornou-se hoje claro que a invasão da Ucrânia representa a falência da política externa franco-alemã sobre Moscovo. A oscilação inicial francesa quanto ao apoio militar a Zelensky reflete apenas o intervalo de tempo de habituação a um erro que se revelou estrondoso. Talvez por isso, Macron se tenha deslocado de uma mesa de sete metros, que partilhou com Putin no Kremlin, para, a uma semana das eleições, decidir o envio de artilharia gaulesa para território ucraniano. Redenção consumada. Reeleição garantida.
Parte da clivagem com Marine Le Pen foi feita precisamente com a Rússia. Macron levou a candidata às cordas quando expôs a sua dependência de Putin. Outro ponto de diferenciação, menos mediatizado do que em 2017, mas não menos crucial, traduziu-se na visão da União Europeia e da sua relação com os Estados-membros. Macron pretende uma Europa mais comunitária e ágil a tomar decisões, destinando à França um papel especialíssimo na sua arquitetura.
O desenho gaulês passa pela criação de uma "comunidade política europeia" para Estados candidatos à União, que já são democracias liberais. A ideia é aliviar o tempo do cumprimento dos critérios de Copenhaga, ignorando que bastaria diferenciar estádios de adesão com crescentes direitos e obrigações durante o processo de integração.
O outro pilar e mais significativo passaria pela revisão dos Tratados, colocando um ponto final na obrigatória unanimidade no processo decisório em matérias como Política Externa ou de Defesa. É inegável a necessidade de agilizar processos de decisão numa Europa com mais membros e, por maioria de razão, com consensos cada vez mais exigentes.
Contudo, essas são matérias de soberania nacional, e por isso cardeais. Por mais qualificada que possa ser a maioria que decide, passarmos de uma Europa de compromisso para uma Europa de imposição, mesmo que de muitos, pode representar um risco existencial para a construção da UE.
Portugal deve atentar às vantagens da sua posição geográfica no âmbito da NATO e também do tipo de decisões que externaliza para Bruxelas. E é agora a resposta do Governo português ao esboço proposto por Macron que se aguarda, sem que a guerra sirva de desculpa para decisões apressadas e pouco partilhadas.