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Se há fragilidade que a crise na Ucrânia expõe aos nossos olhos é a falta de uma voz de liderança europeia que pelo menos transmita a ilusão de uma saída. Porque, por estes dias, a narrativa ocidental, agora assente na ideia das sanções massivas, caiu, enquanto se revela a mudez impotente da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e a necessidade de os europeus não estarem dependentes das conferências de Imprensa do outro lado do Atlântico.
A História devia servir para mais do que encadernar estantes vazias. E não é preciso ir muito longe. No último dia de dezembro de 1999, quando Boris Yeltsin renunciou ao seu mandato de presidente da Federação Russa, o que a decisão na verdade refletiu foi o falhanço estrondoso da ocidentalização da Rússia assente na tripla transição: substituição de uma economia coletivista e planificada por uma economia de mercado; substituição de um regime totalitário por uma democracia pluralista; e transformação do Império Soviético na Federação Russa.
Os casos de corrupção política, os fortes indicadores de pobreza socioeconómica, a humilhação militar sofrida na primeira guerra chechena (1995/1996) espelham o fracasso do regime de Yeltsin e matam o sonho de Pedro O Grande acerca da ocidentalização da Rússia. É neste caldo de falência do regime russo que emerge Vladimir Putin, então primeiro-ministro em funções, indicado por Yeltsin para ocupar a posição de presidente-interino da Federação.
Sucederam-se os seus períodos de afirmação. Sucesso nos confrontos militares contra os separatistas chechenos, os casos da Ossétia do Sul, Abecásia, Crimeia e agora Lugansk e Donetsk na Ucrânia são os marcos de Putin para recuperar a autoestima russa com tradição no regime imperial dos czares, ou no projeto expansionista soviético. E essa vocação imperial resulta historicamente da rejeição do Ocidente, considerando que o fim da URSS e os consequentes alargamentos da NATO a leste representam um "cerco estratégico" que ameaça a segurança nacional russa.
A questão que se coloca hoje não é simples: o que estão os EUA e a UE dispostos a fazer para garantir a soberania dos povos que escolhem a liberdade porque sonharam aderir a essa comunidade de pertença ocidental chamada Democracia?