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Daniel Oliveira considera que os balanços que António Costa fez na entrevista da revista Visão são "todos discutíveis". No espaço de opinião que tem na TSF, o jornalista refere que se o primeiro-ministro, por um lado, ataca a direita por comprar Portugal com a Roménia também se gaba do crescimento do país e da redução do défice, ignorando a perda de salário real e a degradação dos serviços públicos. No entanto, reconhece que "há balanços acertados".
"Sobretudo quando comparados com retratos maniqueístas de uma direita que insiste em ignorar o impacto da adesão ao euro e continua a falar de duas décadas de modelo socialista num país em que o Estado gasta menos do que a média europeia em saúde e educação, tem menos funcionários públicos do que a Irlanda, uma carga fiscal abaixo da média, um dos setores empresariais públicos mais pequenos, o mais reduzido parque habitacional com soluções públicas a preços controlados e níveis de precariedade laboral quase sem paralelo no resto da Europa. Quando António Costa diz que quem o critica por não ser reformista lhe quer impor as reformas que a direita defende, tem razão. E tem razão quando diz que quem quer mais controlo do uso de dinheiros públicos e depois lamenta a demora na execução do PRR quer sol na eira e chuva no nabal", explica Daniel Oliveira.
Para o jornalista, o problema da entrevista, mais do que o conteúdo, é a forma que, em política, "não é um pormenor".
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"Diz que não falam sobre o que interessa às pessoas, mas pouco lhe ouvimos nesta entrevista sobre a brutal crise na habitação ou a precariedade no trabalho. Costa confunde o que lhe interessa a ele com o que interessa às pessoas. Na entrevista, que mesmo lida transmite uma permanente irritação com os contratempos da democracia, António Costa usa para falar do discurso da Iniciativa Liberal a expressão 'guinchos de queques'. Compreende-se que escolha à vez o Chega e a IL como seus principais alvos para tentar desprezar o maior partido da oposição", afirma o jornalista.
A falta de propostas políticas de Montenegro, na opinião de Daniel Oliveira, facilita a tática a António Costa, mas sublinha que o governante "não pode fazer o que criticamos nos deputados do Chega". Não pode encarar as críticas da oposição, "mesmo que sejam injustas", como guinchos. Só são "para quem não vive bem com a democracia".
Além disso, Daniel Oliveira relembra alguns dos casos polémicos a que o primeiro-ministro se tem visto ligado nos últimos meses, começando pelo atraso de dias do ministro da Saúde em desvincular-se numa empresa. Algo que, "como ficou evidente" é um "não caso". E relembra outros episódios.
"As dúvidas sobre o seu secretário de Estado Adjunto, que acabou acusado pela justiça por causa de um negócio de 300 mil euros, eram, como ficou evidente, um caso, mas para António Costa só houve um caso grave e era fácil adivinhar qual: a tentativa do ministro das Infraestruturas acelerar a decisão sobre o novo aeroporto que Costa, com a ajuda de Montenegro, voltou a pôr em lume brando porque quem esperou 50 anos pode perder mais uns milhares de euros por ano porque Costa, além do compreensível prazer em vencer líderes da oposição, quer aniquilar quem, no seu partido, se lhe atravessa à frente. Além do seu núcleo duro, cada vez mais pequeno, só aceita quem tenha passado pelos gabinetes do seu amigo Lacerda Machado que, em boa hora, Pedro Nuno Santos afastou da TAP. Mesmo quando lhe é pedido para esclarecer o que aconteceu, Costa diz que há respostas que só podem ser dadas pelo próprio", recorda.
"Tem medo de o ter longe porque sabe o peso que ele tem no PS"
Depois disto, Pedro Nuno Santos passou a ser tratado como alguém externo ao Governo, "quase ao nível dos queques que guincham", mas que Costa não tem coragem de tirar do Governo.
"Tem medo de o ter longe porque sabe o peso que ele tem no PS. Ao ler esta entrevista veio-me à memória o último mandato de Cavaco Silva num tempo em que chovia dinheiro europeu e não havia crise económica. Mesmo assim, depois da arrogância absoluta de Cavaco, o PSD esporadicamente ao poder e o partido transformou-se num deserto de quadros políticos até hoje", lembrou Daniel Oliveira.
Referindo ainda que, na capa da Visão, António Costa posa como o rei sol, o jornalista diz que os portugueses já sabem como esta "autossuficiência inchada" acaba sempre.
"Para Costa, talvez numa qualquer carreira europeia. Para o Partido Socialista, que deixa o seu líder perder-se na cegueira com uma prolongada seca política, só que desta vez há uma crise económica e uma extrema-direita à espera. Seria bom, para o PS e para o país, que os socialistas não se habituassem. A ilusão do poder absoluta costuma acabar num absoluto desastre", remata.