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Daniel Oliveira defende que os megaprocessos favorecem os corruptos e contribuem para a convicção de que "quem tem mais dinheiro e poder se salva de qualquer punição pelos seus crimes".
No espaço de opinião que ocupa semanalmente na TSF, o jornalista considera que o Ministério Público "parece ter uma atração irresistível pelo gigantismo" seja "porque procura coerência nas narrativas prévias à própria recolha de provas seja porque é apetecível do ponto de vista mediático".
De acordo com Daniel Oliveira, essa "megalomania" levam-nos a tentar juntar todos os poderosos em cada processo mais sonante, ou seja, em juntar do lado contrário todos os melhores advogados, os mais bem pagos, os mais preparados, aqueles que conseguem fazer uso de todas as pequenas falhas que a lei, inevitavelmente, tem", o que o comentador acredita ser "uma estratégia suicida".
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O comentador explica que "no caso da Operação Marquês junta-se um dos primeiros-ministros mais relevantes da história da democracia portuguesa, o mais poderoso banqueiro português, um dos mais importantes gestores em Portugal que dirige uma das maiores empresas nacionais, um dos maiores grupos nacionais na área da construção (entretanto extinto), negócios na Venezuela, a Parque Escolar, o TGV, a OPA sobre a PT e a entrada da telefónica na Vivo, empréstimos para empreendimentos turísticos, concessões rodoviárias". Isto é, "não entra tudo, mas quase tudo na vontade de querer julgar ao mesmo tempo todos os donos disto tudo".
Daniel Oliveira sublinha que "cada um destes processos seria de uma enorme complexidade" e que "todos juntos são uma impossibilidade prática" e acrescenta: "por mais meios que se despejassem no Ministério Público, demoraria mais de dois anos ouvir as escutas deste processo".
"Foram duas centenas de buscas, ouvidas 200 testemunhas, recolhidos dados bancários de 500 contas, muitas delas no estrangeiro. O processo da Operação Marquês tem 53 mil páginas e mais de 13 milhões de ficheiros informáticos. O despacho final tem quatro mil páginas, o despacho de pronúncia tem quase sete mil páginas. Estes números absurdos que costumam ser apresentados como sinal de solidez e competência são o anúncio de uma derrota quase certa de uma megalomania absurda", sustenta.
Para Daniel Oliveira, "quase sempre que alguém no topo da hierarquia do Estado ou dos negócios cai na malha do Ministério Público existe esta irreprimível tendência de querer, a partir daí, chegar a mais gente poderosa, uma tendência que acompanha uma cultura instalada muito ao gosto do discurso justicialista de que cada julgamento deste tipo é um julgamento do regime e tem como função limpar o regime".
O resultado, diz Daniel Oliveira, "é um puzzle gigantesco e infernal que exige milhares de provas, centenas de testemunhas, milhares de diligências, depende de tantas variáveis que a probabilidade de correr bem é mínima", ou seja, "basta falhar uma peça importante e tudo se desmorona, e o tempo exigido para investigar e julgar estes monstros judiciais é incompatível com as regras do Estado de Direito que não permitem que alguém seja eternamente suspeito de crimes que não estão provados".
Na perspetiva do jornalista, "a probabilidade de conseguir provar os crimes é baixa, a probabilidade de chegar à condenação em tempo útil é muitíssimo baixa". Por outro lado, "a certeza da frustração das pessoas a quem se anuncia tudo e se oferece pouco no fim é certa".
"Estes megaprocessos podem alimentar novelas durante décadas e dá ao Ministério Público a aura de purificador do regime que a indústria mediática da indignação aproveita, mas os corruptos agradecem, porque a probabilidade de se safarem quando são incluídos em megaprocessos aumenta incomensuravelmente. Os procuradores serão vistos como vítimas da injustiça, o que parece chegar-lhes, mas o regime fica na mesma, porque a justiça julga crimes concretos, não julga regimes, e o ideal é que julgue crimes o mais isolados possíveis para conseguir chegar a condenações. Quem regenera os regimes são os eleitores", remata.