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Não conhecemos ainda os contornos exatos deste Estado de Emergência, e é pena. Porque os portugueses não têm como saber das subtilezas jurídicas e procedimentais da sua aprovação, e ficaram ontem ser perceber ao certo que tinha mudado, acordando hoje sem saber o que devem fazer. Teria sido preferível que tudo tivesse ficado esclarecido ontem, diminuindo a ansiedade e a confusão - dando mensagem de firmeza e clareza, que continua a faltar.
Mas continuamos sem saber nada sobre os conselhos, avisos, alertas, que de forma robusta e repetida a Organização Mundial de Saúde tem feito sobre a necessidade de testarmos massivamente a população portuguesa: testem, testem, testem - dizem-nos.
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Tendo em conta a enorme percentagem de infetados assintomáticos ou com sintomas muito leves, que ainda assim podem ser agentes propagadores do vírus, entende a OMS que só testando muita gente, toda a gente, poderemos atuar de forma direta, eficaz e proporcional sobre a pandemia - atuando, isolando, acompanhando, tratando quem está infetado, mesmo que sem sintomas, impedindo a propagação silenciosa do vírus.
Vamos fazê-lo, podemos, quando, como?
Sobre isso, sobre os planos do Estado Português para testes e sua massificação, não sabemos muito. E deveríamos, porque esse é o caminho. Será necessário investimento, claro, mas nada comparável ao choque que as nossas economias vão apanhar com esta pandemia e com o Estado de Emergência que sem sua consequência foi decretado.
Tenho muitas dúvidas sobre a necessidade e proporcionalidade deste Estado de Emergência. Não porque ache que estamos perante uma ameaça pequena, residual. Pelo contrário, a ameaça é grande e é por isso que refiro a necessidade de termos uma política de testes robusta (já que inacreditavelmente nos deixámos apanhar de surpresa sobre algo que vinha anunciando a sua chegada: como só agora reforçar a Linha SNS, como só agora ir contar ventiladores, como só agora fazer controlo sanitário em fronteiras, etc).
Mas sobre essas dúvidas falaremos para a semana. É que este Estado de Emergência é sobretudo resultado de uma exigência social, da população portuguesa que quer ver algo suceder, uma ordem forte que nos faça sentir amparados. Mas as coisas não deveriam ser assim, porque há outras formas de ação forte e mobilizadora: testar massivamente a população, desde logo, e o Presidente da República deveria sabê-lo. Não foi essa a sua escolha, talvez para compensar o definidor momento em que se converteu a sua comunicação ao país como cidadão.
Mas deixo esse tema para a semana porque será interessante perceber a evolução dessa exigência social assim que começarmos a ouvir das suas consequências nos empregos, nas empresas, nas vidas. Quando as pessoas começarem a perceber o que significa um país quase parado, uma economia quase parada, empresas sem laborar, veremos se essa exigência não se transforma numa outra, de sentido contrário, cientes de que a cura pode matar ainda mais e com mais violência.