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A Europa já morreu por três vezes. E, por três vezes, ressuscitou de uma forma diferente. A capacidade de regeneração do "velho continente" parece não se esgotar. Mas terá, esta Europa, apenas sete vidas? Carlos Gaspar, professor universitário e investigador diz que não, na obra que vai lançar dentro de dias, "O Fim da Europa". As guerras do século XX obrigaram a redesenhar o mapa, a novos realinhamentos estratégicos, à construção de alianças, ao equilíbrio de poderes e à adaptação do que vem depois do fim. Da guerra.
Durante 80 anos, a Europa viveu em paz. Uma paz duradoura, permanentemente ameaçada mas constantemente em construção. A invasão da Ucrânia pela Rússia, faz hoje 222 dias, pôs fiz a uma era de prosperidade, consolidação das democracias, normalização de relações entre estados, povos e nações. Pelo menos, aparentemente. Pela primeira vez desde 1945, carros de combate voltaram às ruas, soldados ergueram barricadas, civis morreram debaixo de bombardeamentos, cidades inteiras foram reduzidas a cinzas. Mães despediram-se dos filhos, crianças ficaram órfãs, a barbaridade voltou ao quotidiano. A Ucrânia serve, hoje, de tabuleiro de um xadrez que não escolheu jogar. De um lado, está a Rússia, esse gigante euroasiático, que acaba por ligar dois continentes. Do outro, a Europa e, mais do que ela, a União Europeia. Durante a guerra fria, foi toda a Europa a servir de tampão entre russos e norte-americanos. Com uma cortina de ferro que a dividia nos regimes e nas ideias, e uma aliança atlântica de conveniência. Hoje, continua a ser a Europa o tampão da nova guerra, económica, entre Estados Unidos e China. Na verdade, a Europa sempre foi utilizada por um e outro lado. Há momentos em que os europeus se viram para o Atlântico, à procura de proteção. Noutras eras, a "vocação" asiática fala mais alto, com a busca do dinheiro que vem da China. Mais uma vez, entre uns e outros, pelo menos da forma como olhámos para o planisfério, visto daqui, a Europa é sempre o continente do centro, das democracias, da cultura, do iluminismo e da razão, do pensamento e da história. Mas, do ponto de vista militar e económico, foi enfraquecendo, sem perceber que, de um e outro lado, estavam potências maiores e mais fortes, que utilizam o continente europeu como lhes dá mais jeito.
A hoje chamada "União Europeia" terá sido uma ideia dos americanos. E as primeiras conversas terão decorrido em alemão, apesar de nenhum dos altos dignatários sentados à mesa ser germânico. Uma piada de embaixadores diz que, não fosse ter sido pensada em alemão, ainda hoje a UE não existiria.
Que fazer, então, com esta Europa, depois do fim de mais uma guerra? Que Europa haverá para reconstruir, que novas divisões surgirão, que regimes vão emergir, que sentido darão ao voto os «europeus», quando perceberam que, tal como a Ucrânia, estão, apenas e mais uma vez, a serem utilizados como rede num jogo de pingue-pongue entre Estados unidos e China? De Pequim não virão carros de combate, bombas atómicas, nucleares ou soldados a ergues barricadas, Da China, com paciência - como a pandemia demonstrou à saciedade - virá o poder de abastecer o planeta, a força da economia, a dependência do abastecimento de bens, hoje, considerados essenciais e o domínio total do comércio mundial.
As notícias da morte da Europa terão sido manifestamente exageradas?
