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As atrocidades da guerra na Ucrânia continuam, dia após dia. Depois da retirada das tropas russas em Izium, foi descoberta uma vala comum com os corpos de cerca de 500 pessoas, incluindo crianças. Já sabemos que em todas as guerras e invasões, se cometem atrocidades. Mas nunca estamos preparados para o terror, para a perseguição, para acreditar que haja seres humanos despidos de qualquer empatia, a serem máquinas de matar. O ódio como motor da violência.
Sasha Skochilenko é uma artista e ativista russa contra a invasão da Ucrânia, contra estas atrocidades.
Trocou etiquetas de preços nos supermercados com slogans anti-guerra. Encontra-se detida, naquilo que é um ataque do Kremlin aos seus próprios cidadãos e alargado a uma rede de ativistas anti-guerra, nomeadamente feministas. Detida sem julgamento desde 1 de junho, o seu crime foi "desacreditar as forças armadas russas". O mais provável é vir a ser condenada a 10 anos de prisão por esse "crime" ao abrigo de uma lei criada após a invasão à Ucrânia. Pelo menos outros 20 ativistas russos já foram detidos sob a mesma acusação. A Amnistia Internacional tem denunciado a perseguição de ativistas russos que não se veem representados pelas ações do seu país.
Numa das ações mais frequentes da Amnistia Internacional - escrever e enviar cartas - os meus colegas da secção do Reino Unido utilizaram uma ilustração de um abraço entre duas figuras, uma com as cores da Ucrânia e outra com as cores da Rússia. Essa imagem foi retirada de um website dedicado à libertação da ativista Aleksandra Skochilenko, e que foi desenhado pela própria, de forma a deixar clara a sua visão enquanto dissidente de Putin.
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Apesar do trabalho dos últimos 6 meses da Amnistia Internacional sobre a Ucrânia, com denúncias claras sobre os crimes de guerra cometidos pela Rússia, um tweet com o envelope dessa carta com essa imagem tornou-se viral. Dizia que a Amnistia colocava em pé de igualdade a petição pela libertação de Sasha e as crianças mortas na Ucrânia.
Um abraço entre duas figuras, numa tentativa de iluminar alguma esperança, de acreditar na paz, foi destruída na mesma hora. Como se já não fosse possível a paz. Como se já não fosse possível uma ativista russa abraçar uma pessoa ucraniana, abraçá-la a ela e à sua causa.
O ódio patente nos comentários é, claro, reflexo do trauma, da dor, do sentimento de injustiça, da violência, de perda atroz. Já aconteceu e acontece em outros conflitos, em outros territórios, em outras fronteiras. Para além das mortes, de toda a destruição do território, dos impactos sociais e económicos, há ainda esta herança de que não se fala: a do ódio, a da impossibilidade do abraço.
A luta desta ativista russa é a mesma de todos os ucranianos, é a mesma de todas as pessoas que querem e trabalham pela mesma urgência de paz.
Juntos na mesma luta, não nos dividamos.