Corpo do artigo
Chama-se Oksana. É diretora da Amnistia Internacional - Ucrânia. Começámos funções ao mesmo tempo. As reuniões com ela têm sido semanais. As conversas ao telefone têm sido a um ritmo quase diário.
Noto-lhe de dia para dia uma exaustão sem fim que me faz sentir culpado do meu próprio cansaço ou desânimo.
Contou-me a história de uma mulher ucraniana que até 24 de fevereiro tinha uma vida normal, como a nossa. Casada, com um filho pequeno. Tinha as rotinas que todas as pessoas têm. Levar a criança à escola. Ir trabalhar. Ir às compras. Passeios de sábado. Almoços de domingo.
Vivia numa vila tomada por soldados russos, estes entraram em casa da família e a sangue-frio atiraram sobre o marido, matando-o. Viraram-se para ela e violaram-na, repetidamente. O filho pequeno ouvia tudo numa sala ao lado. Mandaram-na ir calar a criança sob pena de a matarem a ela, a mãe, e mostrarem a seguir, à criança, o sangue dos pais espalhados pela casa. Disseram-lhe que mataram o marido por ele ser nazi e que iam desnazificar a Ucrânia. Quem lidera estes soldados é tão louco e selvagem como estes são loucos, selvagens e ignorantes por acreditarem. Todos estes são criminosos de guerra, criminosos contra a humanidade.
TSF\audio\2022\04\noticias\09\09_abril_2022_a_opiniao_pedro_neto
Histórias como esta repetem-se em cenários de guerra selvática.
Esta é a barbárie que está a ser alimentada pelo nosso conforto, pelo nosso aquecimento, pelo uso que damos ao petróleo sujo que sustenta financeiramente esta guerra hedionda e que sustentou noutras geografias outras guerras hediondas que mataram civis indiscriminadamente. Rússia, Nigéria, Iémen, Etiópia, Angola, tantos mais.
Num gesto simbólico e diplomático de coragem, a Assembleia das Nações Unidas expulsou a Rússia do Conselho de Direitos Humanos. Um conselho onde todos têm telhados de vidro e onde muitos países vendedores votaram contra aquilo que pode ser o abalo do seu status quo. Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique, Arábia Saudita, Iémen, O Níger e a Nigéria, a Índia, tantos outros.
Votos políticos e votos oportunistas, foi o que vimos de todos os lados. Haverá ali gente preocupada com os direitos humanos?
Será a vida desta mulher e do seu filho menos importante que o nosso conforto?
Será a paz e a guerra, serão os direitos humanos e a barbárie um jogo de futebol, politizado, em que cada um na bancada toma partidos?
A mulher, o seu filho e o choro pela perda do pai estão já num país terceiro, em segurança.
Apelo-te mundo, não percas o foco.
É urgente a paz.
São urgentes os passeios de sábado, os almoços de domingo.
Bom fim de semana.