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Há uma pergunta que, mais de um mês depois dos factos, continua a percorrer o pais. Sem resposta. Apesar de ser importante saber exatamente o que se passou, a questão é formulável apenas em duas palavras: quem foi?
Quem foi que sugeriu acionar o SIS na noite de 26 de Abril? Quem foi que ligou às secretas para tentarem recuperar um computador portátil de um ministério, que estava nas mãos de um ex-funcionário? Quem foi que entendeu que, se havia um crime, era o SIS a "polícia" que o deveria resolver, quando o SIS não é uma polícia, mas um serviço de informações? Quem foi que mandou, sim, mandou, um "agente" do SIS telefonar a um ex-adjunto com a linguagem própria da máfia, a dizer que "é melhor resolver isto a bem"? Quem foi?
O ministro já esclareceu que foi a sua chefe de gabinete, por sua livre iniciativa. Ao mesmo tempo, também "esclareceu" que a sugestão veio do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-ministro. O mais importante deste "dramalhão do quarto andar do ministério", como lhe chamou a nova coordenadora do Bloco de Esquerda é, nesta altura, o total esclarecimento desta questão. O SIS - e nenhum outro serviço, polícia, magistratura ou instituição pode estar ao serviço de um governo, à disposição de um telefonema de um funcionário, ainda que seja um alto quadro, ou de um governante. É isto que faz com que a pergunta não desapareça do chamado "espaço público". É esta a razão pela qual, deputados numa comissão e jornalistas onde calha, espero, vão continuar a repeti-la. Até que saibamos exatamente como foi a cadeia de decisões que levou à intervenção do SIS.
Não conheço, nunca falei nem estive com António Mendonça Mendes. Do que vejo na televisão, tenho dele a ideia de um homem afável e urbano, educado e competente. Alguém a quem compraria um carro em segunda mão.
Este fim de semana, mais uma vez, tal como nos anteriores, ao Secretário de Estado foi perguntada, não mais uma vez, mas quinze vezes, se confirmava a versão do ministro sobre a sugestão de envolver o SIS. António Mendonça Mendes prestou-se a um papel indigno de um governante. Não respondeu. Ignorou a pergunta que continua sem resposta, fez de conta que não a tinha ouvido, desviou o tema, evitou o assunto. Falou por cima de quem lhe perguntava, manteve a narrativa de que o que importa é tratar do "essencial", respondeu sobre saúde, economia e educação quando a pergunta era simples, clara, objetiva e, sim, essencial. Ver o secretário de estado na televisão, exposto daquela forma, a fugir das palavras como o diabo da cruz, a evitar dar uma resposta cabal, esclarecedora, uma resposta que fechasse o tema e que permitisse seguir em frente, uma resposta que é, antes de mais, devida aos cidadãos, é penoso, vexatório, humilhante e altamente comprometedor. Para o próprio.
Quem aparece a dar a cara por um governo, e quem tem por explicar uma das mais sombrias decisões dos últimos anos, não pode, não deve, não devia prestar-se ao papel a que se prestou o secretário de estado.
A pergunta é a maior arma do jornalismo. A pergunta e a palavra. O esclarecimento. A busca da verdade, a procura de resposta, a insistência para que tudo fique esclarecido. Quando, quer no parlamento, quer fora dele, seja em entrevistas ou diretos, os "agentes políticos", por sistema, ignoram as perguntas, estão, eles mesmos, a desvalorizar a democracia, a fugir às respostas que devem aos eleitores, a desvirtuar a função de cada um. A faltar ao respeito, não só ao profissional que têm diante deles como, através dele, ao país.
Espero que, por uma vez, nós, jornalistas, não deixemos que a pergunta caia no esquecimento.
Quem foi?
