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Esta semana a pobreza voltou a servir o combate político, deu jeito a alguns para apontar o dedo, esquecendo que o indicador apontado numa direcção coloca sempre o polegar apontado a nós próprios. A pobreza é um problema de todos. Ou, pelo menos, deveria ser. Mas a responsabilidade é mais de uns que de outros. Quando um jornal de referência, como o Expresso, nos diz em manchete que a crise faz disparar roubo de comida em supermercados está a dizer-nos igualmente que as coisas têm de mudar.
Neste século XXI, para lá dos períodos de crise de 2011 a 2014 e 2020/21 com a pandemia, o número de pessoas a viver no limiar da pobreza, actualmente colocado nos 554 euros mensais, tem vindo a diminuir. Mas esta batalha que devia ser o desígnio de toda a sociedade não tem produzido mais que resultados pífios. Os números descem de forma tão lenta e tão pouco consistente que a mais pequena crise faz com que apenas num ano se percam as pequenas vitórias de vários anos seguidos.
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Quatro milhões de pessoas, antes de apoios sociais, são pobres, repito: quatro milhões de pessoas são pobres. Num país de 10 milhões, convenhamos, é coisa que devia envergonhar a classe política e os que são, vamos dizer assim, demasiado ricos. Em 2020, ano da Covid, o país ficou com mais 19.430 novos milionários ao mesmo tempo que essa pandemia atirava mais 400 mil portugueses para a pobreza.
É racional a ideia de que precisamos de fazer crescer a riqueza do país para haver mais para distribuir por todos. Tão racional como dizer que temos de melhorar muito a distribuição, porque a larga maioria dos pobres trabalha e um terço tem emprego fixo com salário mínimo. Uma sociedade em que a parcela dos 1% mais ricos detém 20% da riqueza, 10% da população concentra mais de metade dessa riqueza (56%), enquanto a metade mais mais pobre detém apenas 6,5%, esta sociedade não está necessitada apenas de mais e melhor economia. Está, sobretudo, a precisar de mais humanidade e mais justiça social.
Segundo a OCDE, uma família pobre demora cinco gerações a livrar-se da pobreza. A este ritmo, Portugal nunca vai sair da cepa torta. É tempo da elite portuguesa assumir a responsabilidade pelo atraso do país. Não são os pobres, os trabalhadores que escolhem levar a vida que levam. Não são os pobres, os trabalhadores sem grande poder de decisão, que escolhem serem sempre eles a pagar a crise.