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Os católicos vivem hoje um dia de silêncio.
Não um silêncio qualquer. Um silêncio pesado que celebrou ontem, Sexta-Feira Santa, a morte de Cristo. Uma morte injusta, de um homem justo e corajoso. Do mesmo homem que dias antes, na memória de Domingo de Ramos, entrou em Jerusalém aclamado pela multidão que alguns dias depois o mandou matar e ser crucificado. Um silêncio por um sofrimento sem sentido. Paradoxalmente, um silêncio de esperança, que sabe que, ao terceiro dia, a morte, causa da nossa maior incógnita e medo, será vencida.
Também sinto esta desilusão profunda e silêncio dolorido perante uma Igreja que na sua hierarquia parece estar morta, sem rasgo, sem visão de caminho.
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Há pouco tempo vimos os bispos portugueses pronunciando-se desarticuladamente, desenraizados do mundo, sem saber comunicar, sem saber cuidar, acolher e proteger as vítimas de abusos sexuais que assim se devem ter sentido ainda mais abandonadas. Os bispos não souberam lidar com os agressores, nem souberam proteger os injustamente acusados. Misturaram tudo, do direito canónico ao civil, falaram do perdão como se fosse um varrer de coisas para debaixo do tapete.
Os evangelhos falam do pecado, do erro. Falam de igual modo no perdão. Mas também falam com igual força na reparação das vítimas. Zaqueu devolveu tudo o que roubou à razão de 4 vezes mais. Justiça sem reparação não existe. Não se entende, por isso, que se coloque de fora a hipótese de indemnizações e reparação às vítimas que a Justiça determine.
Há mais de 25 anos, D. António Marcelino, à altura bispo de Aveiro, dizia que se a Igreja não se renovasse, se não fosse para o mundo ser sinal de esperança, se não cuidasse de ser uma Igreja de intervenção, de liberdade, de preocupações sociais e de luta contra a pobreza, tornar-se-ia irrelevante.
Neste sábado santo de silêncio pesado, é esta profecia que parecemos ver-se realizar no episcopado português.
No entanto, são numerosos os exemplos, desde centros sociais e paroquiais a ONG ligadas à Igreja como a JRS, a FEC, a Cáritas e tantas outras que continuam a fazer um trabalho notável para que o mundo seja melhor.
Que a desilusão que muitos sentiram com a Igreja não se sobreponha ao bem que esta pode fazer, e que faz. Que a desilusão com a atual hierarquia eclesial não faça perder a esperança de cristãos, nem faça desistir de uma fé de espiritualidade profunda, prática, vivida e transformadora, como a Páscoa nos relembra a cada ano.
Que a necessária renovação aconteça e que a Justiça prevaleça.
