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A semana passada, que só por acaso já foi no ano passado, não deixa por isso de merecer uma reflexão, apesar de 2022 já se ter finado e de, a cada nova volta do calendário, quando expulsámos os 365 dias que ficam para trás, parece que tudo o que vem a seguir vai ser novo, diferente, melhor e mais risonho. Nada mais errado. No final de(ste) 2023, estaremos, de novo, no último de 365 dias, a celebrar a entrada de novo ano e a desdizer o que acaba de se ir.
Na semana passada, em Portugal e no mundo, assistimos a duas mortes e a um funeral.
A morte anunciada de Pelé, remete-nos para a dimensão do Olimpo, do desporto, dos mitos, dos homens que se tornaram maiores que a própria vida. Queira-se ou não, o desporto - e o futebol em particular, como o desporto mais apreciado e praticado em todo o mundo - acaba por nos unir a todos, por ser universal, global, mesmo antes de haver estes conceitos modernos de globalização e universalidade. Pelé é uma lenda. Há de sê-lo sempre, mesmo depois de sepultado. Porque o que fazia com a bola e sem ela é mágico, ultrapassa tudo o que podemos imaginar, faz com que pareça fácil. Torna-nos pequenos. Foi, talvez, o único jogador de futebol do mundo que «marcou» um golo sem tocar na bola. Apenas com o corpo, foi retirando da frente adversários atrás de adversários, deixando que a bola corresse até enganar o último obstáculo. Mas Pelé era mais do que um astro. Era um homem simples, de sorriso fácil e permanente. Um homem bom.
Seiscentos anos depois da última vez, um Papa, por vontade própria, renunciou ao papado e abriu uma porta que estava fechada pela própria igreja, pela tradição e pelo hábito. Na verdade, esse último ato de Bento XVI, considerado um homem conservador, é de uma enorme coragem, clarividência e disrupção. Ao assumir que um Papa não tem de morrer na função, não tem - como fez, legitimamente, João Paulo II - de tornar público o sofrimento e de deixar que os fiéis acompanhem a paixão e morte do sumo pontífice. Um Papa, acreditam os católicos, é escolhido por um colégio de Cardeais, que são guiados pelo espírito santo. Mas um Papa não deixa de ser um homem, finito e imperfeito. Ao renunciar, Bento XVI foi um revolucionário. Abriu um precedente que não faz equivaler os papas a deuses imortais. E, no pensamento que produziu durante décadas, no que ensinou em várias universidades Católicas, no trabalho que ajudou a fazer para que o Concílio Vaticano II reformasse uma igreja que em meados do século passado era ainda mais obscura, opaca e conservadora, quase medieval, manteve uma coerência teológica, uma linha orientadora e sustentada, uma capacidade de se concentrar no essencial, enquanto, ao mesmo tempo, durante o seu papado, teve de enfrentar escândalos de corrupção, casos de assédio do clero e contribuiu para uma aproximação ecuménica inter-religiosa. E, ao renunciar, «escolheu» Francisco, o papa «moderno», como contraponto a si mesmo, o «papa conservador». Uma morte igualmente anunciada, que a história se encarregará de, no seu tempo próprio, de entender o alcance do que fez durante a vida.
Por fim.
Não há mortes políticas.
Por norma, e ao contrário das anteriores, na política e para os políticos, as notícias da morte deles são "manifestamente exageradas".
Por isso, digo que na semana passada houve duas mortes e um funeral. Pedro Nuno Santos deixou de ser Ministro, depois de mais um caso que devia envergonhar o governo em geral e o Primeiro-Ministro em particular. Ao "funeral" político do Ministro compareceram muitos. Mas, ao contrário das outras mortes, a demissão de Pedro Nuno é apenas o princípio do caminho para ser secretário-geral do PS. Agora, fora do governo, o enfant terrible do PS está mais livre. Ainda que para isso tenha de ter assistido ao seu próprio "funeral".
