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Com eleições legislativas e presidenciais marcadas para o próximo dia 14, o Presidente Erdogan teve uma semana com um baixo muito baixo e um pico muito alto. O episódio negativo é de gravidade dupla para Ergogan, porque expõe o lado humano dos supostos deuses aos restantes humanos. A saúde de Erdogan vacilou na terça-feira 25, da pior forma, já que em directo na TV, durante uma entrevista a escassas duas semanas das eleições. Uma gastroenterite expôs aquele que há 21 anos segura a Tocha Otomana. Obrigou-o a interromper a campanha por 3 dias, expondo-o ainda mais. O problema aqui não são os 69 anos do Presidente, já que o seu principal adversário, Kemal Kilicdaroglu, tem 74. O problema é a queda da máscara do "Super-Presidente", sempre omnipresente e omnisciente, cujo caminho traçado dava garantias de estabilidade e crescimento por mais 100 anos! No entanto, também é possível que esta queda do "pedestal dos deuses" lhe seja favorável, por pena, por sofrimento, por consideração. Digo-o desta forma, porque o último sismo devastador de 6 de fevereiro, valeu aplausos ao Presidente, em vez da esperada contestação. Este foi o ponto negativo da semana para Erdogan.
O ponto positivo, que nesta circunstância e segundo a cartilha de Maquiavel, deverá ser de tal grandeza de forma a obliterar factos anteriores. O destino parece uma vez mais estar de feição para Erdogan, já que foi o próprio a anunciar no sábado a morte do suposto novo líder do Estado Islâmico, Abou Hussein al-Qourachi, numa operação levada a cabo pelos Serviços Secretos turcos e a Polícia Militar de Afrin, na Síria, região onde o terrorista foi abatido. O sucesso desta operação terá certamente a importância de reforçar a imagem do "Presidente-Protector", do "Guardião dos Turcos e do Islão". Istambul sempre teve ambições a "Vaticano dos muçulmanos" e Erdogan alavancou essa ideia através do populismo que o levou ao poder há mais de 20 anos.
Das eleições, propriamente ditas.
As intenções de voto não são favoráveis a Erdogan, com 44,4% de intenções de voto. O principal adversário, que conseguiu a unificação da oposição, para um voto útil contra o Presidente, é Kemal Kilicdaroglu, com 47,5% das intenções de voto. Com uma eleição em duas voltas, o mais provável é os turcos provocarem um susto ao Presidente na primeira volta, confirmando que em democracia, "o povo é quem mais ordena", para depois se limitarem à realidade e o elegerem de novo, baseados nos argumentos apresentados anteriormente, nomeadamente através do dramatizar do discurso securitário, tendo por base a guerra na Ucrânia (é fundamental manter o "gigante Erdogan" enquanto mediador entre "gigantes da política mundial"), a guerra contra os islamistas do Estado Islâmico, a ameaça externa e face às reivindicações curdas, a ameaça interna. Os turcos, tal qual os portugueses e demais povos, querem sobretudo dormir descansados e Erdogan tem-lhes permitido esse sono quase profundo dos últimos 20 anos, dentro dos altos e baixos inerentes ao governo da coisa pública. Fundamental é o povo acreditar no governante e no candidato e os turcos confiam em Erdogan e parece-me que vão continuar a acreditar, até porque têm presente que o trabalho iniciado ficaria a meio. Neste capítulo o muçulmano é como o comunista, já que não acredita que os problemas se vão resolvendo, antes que há soluções definitivas para problemas de longa data. Exemplo: É preciso atravessar o rio, constrói-se uma ponte e o problema fica resolvido. Mentira, é preciso continuar a manter a ponte operacional, para se poder continuar a resolver o problema.
Ainda não será certamente desta que o "Sultão perderá o Sultanato", por via das eleições, sendo aliás mais provável que a saúde do(s) Homem(ens) venha traiçoeiramente a pregar-lhe uma rasteira. Afinal, de acordo com a religião/doutrina islâmica "o Criador tudo pode face à criatura e esta em tudo depende do Criador". Erdogan, como todos/as nós, tem assim o seu futuro nas mãos de Deus!
A Acontecer/ A Acompanhar
- 11, 12 e 13 de Maio, Conferência Internacional "The Universal Value of the African Prehistory", Centre National pour la Recherche Scientifique et Technique, Rabat, Marrocos;
- Entre 12 de Abril e 17 de Junho, em Marraquexe, Exposição "DISPOSITIONS & NOTHINGNESS", de Mariana Viana e Kátia Sá, na Galeria da Fundação Dar Bellarj;
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
