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Talvez alguns (não sei se muitos...) que me ouçam com regularidade se recordem de quando disse estranhar as intenções de voto nas sondagens ao longo do último ano pois não eram consistentes com a avaliação do governo revelada, por exemplo, pelo Eurobarometro. Neste, o país europeu onde mais tinha caído a confiança no governo era Portugal (14 pontos quando a média europeia foi 4). Ao contrário de muitos não estranhei, por isso, os resultados autárquicos e, ainda menos, a evolução das sondagens (ou tendências) dos últimos dias.
Como também aqui já disse, acho que estas serão das eleições com resultado mais incerto da nossa democracia. Às contradições das sondagens junta-se um contexto pandémico muito particular (que tanto pode favorecer o governo pelo apelo à unidade que promove perante um "inimigo" externo ou os bons resultados da vacinação, como pode constituir uma desvantagem, sendo Portugal um dos países onde o excesso de mortalidade foi maior na Europa e onde a economia mais caiu e mais demora a recuperar). A tudo isto junta-se, também, um sistema político em forte mutação, com novos partidos e um eleitorado cada vez menos fiel e mais volátil.
Neste contexto, acho que há algumas escolhas que vão marcar estas eleições. Primeiro, a escolha pela continuidade ou pela mudança. António Costa, até no slogan, apela à continuidade. Acredita, provavelmente, que a larga maioria do eleitorado (paradoxalmente, hoje muito mais dependente do Estado do que nos anos 80) se contenta com a garantia do pouco que recebe do Estado. Isso reflete-se no seu grande tema de campanha: o crescimento do salário mínimo. Não ignoro o quão importante o salário mínimo é para muitos portugueses, mas devíamos preocupar-nos por cada vez mais portugueses dependerem do salário mínimo: em 1980 eram 2,3% dos portugueses, hoje são mais de 10%. É uma ambição mínima aquela que António Costa propõe ao país. Bom era que cada vez mais portugueses ganhassem mais do que o salário mínimo.
Rio aposta em que a ambição dos portugueses é maior do que aquela que o Primeiro-Ministro lhes atribui. Depois de 25 anos de estagnação e ultrapassagem por outros países europeus, os portugueses estão abertos à mudança. Mas Rio também conhece a composição do eleitorado e que os portugueses querem mudar, mas sem revoluções ou traumas. É isso que tem transmitido.
Isto conduz-me à segunda escolha: num país avesso aos extremos, quem melhor representa a moderação? António Costa e toda a esquerda, depois de anos a elogiarem o centrismo de Rui Rio, procuram agora colá-lo à extrema-direita e até ameaçam novamente com o fascismo e a austeridade. Costa nos últimos dias parece estar a fazer de novo a campanha (que aliás perdeu...) de 2015. E se já então essa tese não fazia sentido, menos faz perante um dos líderes mais sociais-democratas do PSD. Rio foi, provavelmente, enquanto líder da oposição, o mais moderado, centrista e aberto aos compromissos políticos de todos os líderes da oposição em democracia. António Costa foi o líder que trouxe para o governo a esquerda radical: sempre preferiu aqueles que agora acusa de irresponsáveis. Com este histórico é bem provável que os eleitores que prefiram uma política mais ao centro se revejam mais em Rui Rio.
Não sei se os fantasmas e receios que António Costa tenta promover irão convencer os portugueses. Acho o contrário, vão reforçar o contraste entre a sua imagem política e a de Rui Rio. Costa é reconhecido como um mestre da tática política. Isto deu-lhe muitas vitórias, mas não necessariamente uma imagem virtuosa para os eleitores. Rui Rio, pelo contrário, parece, às vezes, até politicamente trapalhão, mas, ao mesmo tempo, transmite uma enorme autenticidade. Podemos concordar ou discordar de Rio (e, eu, sendo do seu partido já discordei algumas vezes) mas sabemos que diz o que pensa. Já com António Costa, parece sempre estar a dizer o que acha que todos querem ouvir. Num contexto em que a descrença na política e políticos é cada vez maior, a autenticidade de Rui Rio tenderá a ser premiada. Já o crescente discurso do medo e da radicalização que António Costa parece agora promover poderá trazer-lhe algum voto útil à esquerda, mas tenderá a afastá-lo do eleitorado do centro.