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O Presidente (PR) Erdogan sabe carregar nos botões certos, nos momentos certos. Não fosse isso, este "homem feito por si próprio", sobre o qual há uma nebulosa relativamente à sua formação académica, nunca teria chegado a PR, nem tão pouco ao patamar de "Sultão incontestado". Passando ao concreto, a Turquia terá de novo eleições presidenciais em Setembro de 2023 e o tema "véu islâmico", que no vizinho Irão incendeia a sociedade civil, na Turquia torna-se assunto consensual, não em tirá-lo da cabeça, mas em pô-lo com dignidade constitucional. Perante os avanços e campanha do líder da oposição Kemal Kiliçdaroglu, do Partido Republicano do Povo, mais-que-provável candidato pelo seu Partido neste desafio presidencial, o mesmo propôs legislar-se sobre o direito da mulher a usar o véu, eliminando assim qualquer possibilidade futura de um "reviralho" político-social, que coloque em causa este direito, por muito torto que tudo isto nos pareça aos nossos olhos. Um Partido Republicano, em princípio estará nos antípodas ideológico de um Partido Islamista!
O genial nesta "salada turca" é Erdogan ver aqui uma oportunidade e propor um referendo à Constituição, que afirma a Turquia enquanto Estado secular, para incluir nesta uma linha que consagre o véu constitucionalmente. Erdogan, que no passado fim-de-semana fez campanha ancorado nesta proposta, confronta no seu discurso o líder da oposição, dizendo que se este tivesse coragem deixaria o povo decidir, já que até estão em sintonia com esta prioridade.
Erdogan, como dizemos em Portugal, "não dá ponto sem nó" e prevê na realização deste referendo uma sondagem sem erro não à boca das urnas, mas já no ventre destas, que lhe dará sinais sobre a possibilidade da sua reeleição. Em teoria e a partir de Lisboa, é previsível mais uma vitória esmagadora do "Sultão", mas isso é política interna. Importante é demonstrar para o exterior que o processo foi democrático e transparente. E será, o processo terá a monitorização do Mundo e todos os telejornais acompanharão a campanha, as propostas, a votação e os resultados.
Acontece que neste momento estamos em "período de pré-campanha", onde mais ou menos tudo é válido ser dito e sem grandes consequências, como por exemplo e uma vez mais chamar-se referendo a algo que se apresentará como plebiscito, já que estão criadas todas as condições para o resultado ser aquele que se pretende e, como já vimos sem oposição, já que o líder desta até permitiu ao PR carregar no botão que faz do próprio Kemal Kiliçdaroglu (o líder da oposição) um fraco, face ao providencial Erdogan. Parece-me ter aqui deixado uma fotografia daquilo a que chamamos populismo, sem por vezes termos exemplos e referências que liguem a teoria a casos práticos.
A Argélia também é do ferro
Não vou insistir na questão do gás natural e do hidrogénio verde, poucos dias após o PR Macron ter cedido às vontades alemãs que se encontram em sintonia com as de Portugal e Espanha. Este acordo ibérico transpirenaico que curiosamente contorna os Pirenéus por mar, de Barcelona a Marselha, em muito beneficiará a "Argélia do gás", assunto já mais-do-que desenvolvido neste espaço.
A novidade argelina da semana é o "ferro adormecido" desde 1952 que o "Hexágono" tem debaixo da areia! São milhares de milhões de toneladas que a mina Gara Djebilet tem no seu "cofre" e que passam desde já a serem extraídos, para alimentar a indústria siderúrgica argelina, consumidora de 12 milhões de toneladas ano. Para além de alavancar a indústria argelina, esta notícia/extracção já "levantou o sobrolho e as antenas" de países cujas indústrias têm sofrido pelas quebras de fornecimento por via da guerra na Ucrânia.
Numa alusão lusófona e estivéssemos na Guiné-Bissau, diríamos que a Argélia tem "mangas de ferro" para extrair. Como estamos em Portugal, dizemos que a Argélia "tem ferro para dar e vender"! O início da exploração deste activo estrategicamente poupado desde 1952, vai permitir também a criação de uma nova ferrovia entre Tindouf, onde se encontra Gara Djebilet e Orão, a segunda principal cidade argelina e líder na indústria siderúrgica, com porto de mar no Mediterrâneo.
A par do ferro e da prospectiva que a sua exploração abre para o futuro do país, os fosfatos de Tebessa no leste e o chumbo e o zinco de Bejaia, no norte, também deverão ver exploração intensiva para breve. A Argélia percebeu por si só e pelo exemplo de outras economias africanas mono-produtoras, que está obrigada a não depender de um único produto para exportação, tendo no actual contexto político internacional a oportunidade perfeita para apostar na diversificação dos seus "activos mais secretos".
A Acontecer/A Acompanhar
- A Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa vai realizar uma Missão Empresarial a Marrocos de 5 a 9 de Dezembro. As inscrições continuam abertas até 4 de Novembro;
- O Théâtre La Croisée des Chemins, em Paris, apresenta de 5 de Novembro a 31 de Dezembro, todas as quartas-feiras e sábados, às 15h, "Histoires des Hommes Libres"-Contos Berberes, com Roger Davau e Mejja.
Raúl M. Braga Pires é autor do site Maghreb-Machrek, é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia
