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A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a Primeira-Ministra italiana Giorgia Meloni e o Primeiro-Ministro holandês, Mark Rutte, estiveram este fim-de-semana em visita oficial à Tunísia de Kais Saied, a quem propuseram um pacote de ajuda financeira de 900 milhões de euros a negociar, com 150 milhões já garantidos e à cabeça, qual cenoura para depois cair o pau das reformas políticas!
O móbil desta proposta tem como contexto principal as vagas migratórias que nos últimos 10 anos deixaram de ter origem na Líbia e passaram a ter na costa tunisina o ponto de partida para a travessia do Mediterrâneo rumo à Europa, nomeadamente à próxima Itália. Daí a importância da presença da Chefe do Governo desse mesmo país.
No entanto, parece-me sobretudo tratar-se de uma desculpa para a Europa abordar a situação tunisina num todo, o que inclui um Presidente com híper-poderes (Executivo, Legislativo e quase Judicial), uma taxa de inflação e desemprego galopantes, uma dependência crescente da Turquia e da Rússia na questão do fornecimento de cereais, sem acesso aos mercados internacionais, com sanções às costas do FMI e projectos suspensos pelo Banco Mundial, em resposta aos sucessivos "golpes de força" do Presidente Saied. Ou seja, já era tempo da Europa olhar para a Tunísia com a atenção que esta merece. Porquê?
Porque a Tunísia é de todos os países islâmicos/islamizados, o mais laico de todos, onde a mulher já gozou de liberdades que já foram mais amplas que as actuais, porque a Tunísia dá sinais de querer "desarabisar-se" no ensino, na Constituição e na região, porque a Tunísia já foi considerado um bom exemplo saído da revolução política e social que a Primavera Árabe catalisou e não pode passar de "bestial a besta", porque a Tunísia é praticamente na Europa, porque a Tunísia não pode cair e há que dar-lhe a oportunidade de se levantar, porque o Magrebe e o norte de África precisam de faróis que iluminem exemplos que precisamente trilhem os difíceis caminhos do laicismo que permitirão uma crescente e gradual separação de Estado e Religião.
Esta visita peca por tardia, mas a razão para tal deverá ser a peculiar personalidade do Presidente da Tunísia, Kais Saied. Ou seja, uma delegação da União Europeia com este peso na Tunísia por esta altura do ano, em 2021, seria interpretada como um paternalismo europeu e o mesmo seria de imediato rejeitado por um
Presidente em campanha e acção, no sentido da absorção de todos os poderes. Von der Leyen escolheu bem, deixou a "bomba social" ir crescendo, encostando cada vez mais o Presidente à praia-mar e apareceu agora para o salvar do afogamento e do próprio país entrar de novo numa convulsão que apenas provocaria melhor ambiente de negócios para os traficantes de carne humana viva e para os islamistas regressarem ao poder e em força.
Apesar deste "timing de visita" ser propício a ambas as partes, Saied não deixou de dar um ar do seu "génio" (no sentido em que o termo é utilizado para os bebés rabugentos que ainda nem abrem os olhos, mas já dão sinais do confronto que terão com os progenitores, apesar de ainda viverem com película nos olhos). Deu um ar do seu "génio" dizia, ao avisar os seus interlocutores que "não compete à Tunísia guardar as fronteiras da Europa".
Este acordo sobre as contrapartidas da injecção dos mencionados 900 milhões de euros, deverá estar concluído até à próxima Cimeira Europeia, no final deste mês.
A Acontecer / A Acompanhar
- Entre 12 de Abril e 17 de Junho, em Marraquexe, Exposição "DISPOSITIONS & NOTHINGNESS", de Mariana Viana e Kátia Sá, na Galeria da Fundação Dar Bellarj;
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.