Vamos pagar menos de sobretaxa? Vamos. Ela desaparece? Não. O "fim da sobretaxa" é um engenho retórico com tanto de hábil como de patético: a retenção é que acaba. A sobretaxa não termina, diminui.
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Os factos são uma chatice, mas começo com eles. O primeiro é este: o IRS é cobrado sobre o rendimento anual e é calculado sobre esse rendimento no ano seguinte àquele a que diz respeito. O segundo é quase uma cópia do primeiro: a sobretaxa de IRS é cobrada sobre o rendimento anual, e é calculada sobre esse rendimento no ano seguinte àquele a que diz respeito.
O "fim da sobretaxa" está no léxico político, e vai tornar-se verdade na cabeça de muitos cidadãos - sobretudo nos trabalhadores dependentes, que a partir de certa altura do ano, dependendo do rendimento global, vão deixar de ver, no recibo de vencimento, esta declaração de tristeza: "IRS - Sobretaxa Extraordinária" com um número à frente. E a perceção vai ser, muito provavelmente, que "a sobretaxa acabou".
Não é verdade.
A taxa só termina, efetivamente, no dia 1 de janeiro de 2018 - se tudo correr bem. O que aconteceu foi que os trabalhadores pagaram, de forma condensada, uma sobretaxa menor. Condensada porque vão continuar a pagar exatamente o mesmo que pagavam - mas durante menos tempo.
Quem em 2016 paga 1% de sobretaxa, vai em 2017 pagar 0,25% - quatro vezes menos. Mas vai pagá-los condensados em três meses - quatro vezes mais rapidamente.
Seria, por absurdo, como se o próprio IRS "acabasse" em junho - e nós, até junho, pagássemos o equivalente ao ano inteiro.
A retenção da sobretaxa vai efetivamente terminar. Mas a mensagem do governo vai levar a enganos e desilusões. O trabalhador do segundo escalão que adicionalmente também presta serviços em recibo verde vê a sobretaxa desaparecer do recibo de vencimento em abril. Ficará com a ideia que "a sobretaxa terminou", e vai sentir-se enganado quando em maio de 2018 o fisco calcular a sobretaxa de 2017 que terá de pagar por causa desses outros rendimentos.
A sobretaxa vai encolher? Vai, e muito.
E essa seria uma ótima notícia. Mas como não bate certo nem com o programa do PS nem com a pretensão dos partidos que apoiam o governo, não podia ser apresentada assim.
Era preciso acabar com a sobretaxa. Mas como isso abria um buraco nas contas públicas, teve apenas de se "acabar com a sobretaxa" - fazendo uma versão poucochinha do imposto, e criando uma ilusão fiscal e retórica. Sem darem por isso, os trabalhadores vão pagar num período condensado a versão reduzida da sobretaxa equivalente a todo o ano. Mas vai estar tudo bem. A palavra "sobretaxa" já não vai estar no recibo de vencimento.