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Na última semana, falei sobre o Afeganistão e, em especial, os refugiados e a sua vinda para Portugal. Depois de um longo hiato, voltámos, nos últimos meses, a estar atentos ao que se passa em cidades afegãs como Cabul, Mazar-i-Sharif, Herat ou Kandahar. E este registo fez-me pensar no seguinte: quanto tempo vai durar esta nossa atenção? Mesmo sabendo das violações de direitos humanos dos taliban, quando é que o Afeganistão deixará de estar no nosso radar? Esta é, claramente, uma situação que os novos senhores de Cabul vão reforçar e incentivar. Ter repórteres estrangeiros e liberdade de imprensa vai contra o que os taliban representam e o modo como querem moldar (ou doutrinar) a sociedade afegã.
Ao pensar sobre os altos e baixos da nossa atenção mediática (incluindo a minha), fui-me lembrando de outros países que estiveram sob os holofotes internacionais. Há tantos tais como a luta da oposição em Myanmar, que dura desde o início de Fevereiro deste ano, ou, mais recentemente, os efeitos devastadores de um terramoto e de uma tempestade tropical no Haiti.
Mas, talvez pela associação aos Estados Unidos da América, o país que me veio à cabeça foi o Iraque.
Recentemente, teve eleições legislativas cujos resultados e impacto temos vindo a conhecer e a perceber ao longo desta semana. A agência noticiosa Reuters avançou com dois pontos importantes. Primeiro, uma participação eleitoral de cerca de 40% e, em segundo, o reforço da presença do xiita al-Sadr, uma figura religiosa radical que foi adquirindo expressão política. Este território foi, em 2003, o centro das atenções do mundo devido à invasão liderada pelos Estados Unidos da América. Lembro-me bem da controvérsia, da troca de palavras quentes e da falta de consenso entre os aliados europeus de Washington.
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Para além da asneira colossal a nível estratégico, a invasão levou a uma ocupação. Como caracterizá-la? Bem, se quisermos ser suaves: como um falhanço.
Neste século, a vida dos iraquianos tem sido difícil e, se quisermos ser realistas, na verdade, assim o é desde a sua independência em 1932. Há muitos exemplos, mas basta recordar a barbárie do regime de Saddam Hussein. No século XXI, a sua sociedade passou por muito: desordem e insegurança, ajustes de contas, lutas armadas e, como se tudo isto não bastasse, a ascensão do Daesh e do seu alegado Califado, que englobou cerca de um terço do território do Iraque.
Dizer que os iraquianos não têm tido uma vida fácil é, claramente, um eufemismo. Num território com cerca de 40 milhões de pessoas (de acordo com o World Fact Book), a insatisfação continua. A Reuters cita um jovem iraquiano: "Não votei. Não vale a pena. Não há nada que nos possa beneficiar. Vejo jovens com educação superior e sem emprego".
O Iraque há muito que desapareceu do nosso radar. E, enquanto via as imagens vindas do Afeganistão, dei por mim a pensar: até quando, até quando vamos acompanhar a tragédia afegã?
*A autora não segue o acordo ortográfico de 1990