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Se as sondagens estiverem certas (só a 5 de novembro saberemos), Donald Trump está numa posição mais forte nesta corrida de 2024 do que estava nas eleições de 2016 e 2020 pela mesma altura, a menos de três semanas das respetivas eleições.
Mesmo estando atrás de Kamala Harris nas sondagens nacionais, a diferença é mais curta do que era há quatro anos para Biden e mesmo há oito anos para Hillary. Se voltar a haver o tal “voto oculto” em Trump (uma percentagem na casa dos 4 a 6% de apoiantes republicanos que se recusam a responder a sondagens ou, então, respondendo, em dizer a verdade), então poderemos ter a 5 de novembro a surpresa de ver uma vitória clara de Trump.
Para que lado vão errar as sondagens, desta vez?
Os republicanos vão sempre aparecer sub-representados nas sondagens? Nada disso.
Em 2022, nas intercalares, não foi isso que aconteceu. Nessa eleição, os candidatos a congressistas e senadores republicanos surgiram melhor nas sondagens do que, depois, no resultado final. Para esta eleição 2024, os investigadores mudaram as suas metodologias, em parte para ter em conta os eleitores “ocultos” de Trump, incluindo pessoas que planeiam votar nele, mas não querem dizê-lo publicamente, ou outros apoiantes que são difíceis de encontrar através de métodos tradicionais de votação, como chamadas telefónicas. Além disso, diferentes grupos de eleitores estão a mostrar mais sinais de uma maior participação nas eleições devido a novas questões, desde leis antiaborto ao aumento do custo de vida.
Na média da Real Clear Politics, ao dia de hoje, Kamala Harris tem uma vantagem de 1,5% sobre Trump (era quase o dobro há menos de um mês). Nas últimas cinco: empate na NBC News (48/48), vantagem Kamala na ABC News (50/48), na Reuters/Ipsos (47/44), na Harvard/Harris (51/49) e na Morning Consult (50/46).
Nesta altura, há quatro anos, Biden tinha uma vantagem de 10,3 pontos percentuais sobre o então presidente Trump na média nacional do RCP, Biden conquistou os votos populares e eleitorais por margens muito menores (+4.5%). Em 2016, a candidata democrata Hillary Clinton liderava a média nacional do PCR em 6%. Em 2016, Clinton venceu Trump no voto popular por 48,2% para 46,1%. Trump, no entanto, venceu o Colégio Eleitoral por uma margem de 30 Grandes Eleitores. Quatro anos depois, Biden venceu Trump no voto popular por uma margem maior, 51,3% a 46,9%. E conquistou o Colégio Eleitoral por 306-232.
Kamala abre o jogo e começa a arriscar
Depois de dois meses e meio demasiado à defesa, as últimas sondagens terão forçado Kamala Harris a começar a arriscar.
A candidata democrata vai, esta quarta, dar uma entrevista à FOX News, a um dos pivôs de perfil menos radical e mais institucional da estação, Bret Baier. A decisão, embora contestável, tem o seu racional: Kamala sabe que precisa de melhorar o seu desempenho nos homens, nos brancos e mantém algumas esperanças de conquistar eventuais republicanos que pretendam rejeitar Trump. Harris vai também estar no podcast de Joe Rogan. No terreno de campanha, Bill Clinton deu uma ajuda na Geórgia, depois de Obama ter estado na Pensilvânia. Nas sondagens, a tendência parece continuar a ser a de Trump ganhar pequena vantagem na maioria dos estados decisivos, ainda que com tudo em aberto. No voto popular, a vantagem de Kamala (entre 1 a 3 pontos, por vezes até empate) parece estar ligeiramente abaixo do que se exige a um democrata poder vencer o Colégio Eleitoral.
O nível de agressividade de parte dos comentadores e colunistas da direita americana contra Kamala tem vindo a agravar-se, com o aproximar da eleição. Vejamos os termos usados por Charles C. W. Cooke, editor sénior da National Review online e autor de um podcast com o seu nome: “Ela está descontroladamente, catastroficamente, incontestavelmente fora de si. Nos últimos dois anos, à medida que a familiaridade gerou desprezo, e o desprezo gerou exasperação, adquiri o hábito de destilar em termos inusitadamente contundentes o que penso dos nossos aspirantes políticos mais proeminentes. O meu modesto veredicto sobre o presidente em exercício, Joe Biden, foi que ele era “um idiota”. A minha opinião sobre o seu antecessor, Donald Trump, foi que ele é “um lunático”. Com isso, para completar a trilogia, oferecerei outra opinião sincera: Kamala Harris é uma idiota.” Assim, nem mais, nem menos, rotulado pelo jornalista britânico, nascido nos EUA, um conservador da linha de George Will, pelo manifesto conservador “Conservatarians welcome both cowboys, community”.
A guerra no Médio Oriente pode decidir o Michigan
A área metropolitana de Detroit é a zona nos EUA com mais árabes americanos: 405 mil, bem acima dos 370 mil de Nova Iorque, dos 310 mil de Los Angeles, dos 250 mil de São Francisco ou dos 180 mil de Chicago. Entre os mais de 400 mil árabes americanos do Michigan, perto de 300 mil são democratas. E entre eles, a maior comunidade tem origem no Líbano e na Síria, seguidos de iraquianos caldeus (outra religião muito presente no Líbano) e palestinianos e jordanos. Se, digamos, 10% desta comunidade vier a mudar o seu sentido de voto tendencialmente democrata por causa do comportamento de Israel em Gaza e no Líbano, essas poucas dezenas de milhares de votos podem ser suficientes para Kamala Harris perder a eleição. A Arab American PAC, que costumava endossar os candidatos presidenciais democratas, vai desta vez manter-se neutral, por considerar que "ambos os candidatos, Trump e Harris, têm sido cúmplices do genocídio que Israel está a fazer em Gaza e no Líbano".
Ao contrário de outros estados decisivos como a Pensilvânia ou a Geórgia, o Michigan é um estado sem grandes centros urbanos, à exceção, claro, de Detroit, que tem 700 mil pessoas e uma área metropolitana com muito mais de um milhão. As cidades que se seguem nem sequer atingem os 200 mil habitantes: Grand Rapids (198 mil), Warren (140 mil) e Sterling Heights (135 mil). Ann Arbor, Lansing, Dearborn e Clinton Charter Township pouco excedem os 100 mil. Ora, se os democratas dominam em quase todas as cidades americanas acima de 1 milhão de habitantes, a sua superioridade eleitoral em realidades mais pequenas, mesmo urbanas, não é tão grande. Isso, acrescido ao facto do Michigan ter 74% de brancos "wasp" (bem acima dos 58% da média nacional) dificulta as contas eleitorais de Kamala Harris num estado como este.
Será que, em vez da Pensilvânia, é o Michigan o estado que vai decidir o destino da Rust Belt?