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A 41 dias de terminar a grande eleição (que, de resto, já começou), está cada vez mais difícil determinar quem está verdadeiramente à frente.
Se olharmos para as sondagens nacionais, Kamala Harris mantém algum avanço. Na Reuters/Ipsos, esse avanço é de seis pontos (50/44, 21 a 23 setembro), embora o estudo tenha uma amostra relativamente pequena (785 votantes prováveis). Amostra bem maior (2074) tem a sondagem CNN que dá vantagem mínima à democrata: 48/47. Já a Quinnipiac, com amostra um pouco menor (1728 votantes prováveis), aponta para empate: 48/48.
A média das últimas 15 sondagens nacionais dá um avanço a Harris de +2,1% (RealClearPolitics), uma diferença que de forma alguma nos sinaliza que a democrata está mais bem colocada para ser eleita. Isto porque nos estados decisivos, Trump tem mostrado, nos últimos dias, um desempenho um pouco melhor: a mesma média RCP dá +0,2% a Trump no global dos sete estados decisivos (na semana passada Kamala estava à frente no mesmo indicador).
Empate técnico
O empate técnico é o conceito chave para percebermos o atual momento da corrida nos estados que vão mesmo decidir.
Kamala tem um ligeiro favoritismo na Rust Belt, Donald Trump uma pequeníssima vantagem na Sun Belt, mas a diferença é tão curta que o que se destaca, a mês e meio da grande decisão, é mesmo a ideia de uma corrida muito equilibrada, com desfecho imprevisível. Nate Silver, o "mago" da análise de sondagens, aponta no seu "Silver Bulletin": “Em 16 anos de previsões eleitorais, nunca vi uma eleição tão próxima. As nossas médias de pesquisas em sete estados indecisos – em ordem alfabética: Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin – estão dentro de dois pontos percentuais. Um erro sistemático nas pesquisas, ou uma mudança na disputa nas últimas seis semanas da campanha, poderia resultar num candidato varrendo todos esses estados.”
No Michigan, sondagem USA Today dá Kamala +3; na Carolina do Norte, sondagem dá Kamala +1; no Nevada, estudo NPI põe Kamala com +1; Trump aparece com três pontos de vantagem na Geórgia, em estudo Rasmussen (geralmente favorável aos republicanos); empate total na Pensilvânia (48/48), também no Rasmussen, com amostra média de 1200 eleitores prováveis.
Escalada no Médio Oriente é complexa para Kamala
O agravar da situação no Médio Oriente, com uma guerra que parece iminente entre Israel e o Hezbollah, é tema que certamente vai implicar contágio nesta reta final da eleição americana - sobretudo se houver mesmo, nas próximas semanas, uma operação terrestre israelita no sul do Líbano. O discurso tremendista, a roçar o apocalíptico, de Trump pode, neste contexto, capitalizar: Donald tem dito que "com Kamala na Casa Branca, Israel acabaria em dois anos", tem acusado Biden de fraqueza nestes temas e de permitir que, nos seus anos de presidência, tenham ocorrido várias guerras. Trump surge como "o salvador de Israel", com ele haveria condições para o governo de Netanyahu "resolver as coisas rapidamente". Kamala, no oposto, fica numa situação complicada: como segurar o voto da esquerda anti-Israel e pró-Palestina mantendo o discurso de "os EUA vão sempre fazer tudo para garantir a segurança de Israel"?
“Better off with Trump”?
Donald Trump parece jogar quase tudo na ideia de que nos anos em que foi Presidente os americanos sentiam melhor condição económica e melhor bem-estar social. Isso, de facto, parece ressoar nas respostas de muitos segmentos, especialmente nos estados decisivos, quando inquiridos em sondagens. Em muitos comícios, é essa a principal mensagem exibida pela campanha republicana: "Better off with Trump". Ainda que os dados mais recentes nem sempre o confirmem: só nos últimos dias, o FBI indicou que houve uma quebra de 11,6% nos homicídios de 2022 para 2023, a maior descida em duas décadas. O crime contra propriedade também desceu (2.4%), ainda que tenha havido subidas pontuais em roubos de automóveis e assaltos a mercearias e supermercados. No global, o crime violento desceu 3% em 2023.
Os números preliminares mostraram que o número de crimes em 2024 também tem vindo a cair no início deste ano, dando continuidade a uma tendência de redução da criminalidade desde que os EUA saíram da pandemia. Entre os crimes contra a propriedade, os roubos nos primeiros meses de 2024 diminuíram cerca de 7,6%. O roubo de veículos motorizados, no entanto, aumentou cerca de 12,6% entre 2022 e 2023. Os incidentes registados de furto em lojas também aumentaram: de 999.394 em 2022 para 1.149.336 em 2023, que é aproximadamente o mesmo nível de incidentes relatados em 2019, antes da pandemia.
A perceção pública sobre o crime é muitas vezes discrepante com a realidade factual. Essa diferença tem vindo a agravar-se na era das redes sociais, da desinformação e neste arranque da Inteligência Artificial. O facto é que a taxa de crimes violentos nos EUA caiu de 2022 para 2023, de 377,1 crimes violentos por 100.000 pessoas em 2022 para 363,8 crimes violentos por 100.000 pessoas em 2023, mostram os novos dados do FBI.
Mas Trump contesta: “Só uma pessoa estúpida diria que a criminalidade diminuiu. Não é preciso saber nada sobre números. Se moramos neste país sabemos que a criminalidade aumentou.” Não é isso que o FBI demonstra. O Sistema Nacional de Relatórios Baseado em Incidentes do FBI coletou informações de 700 agências adicionais em 2023 em comparação com 2022. A população total coberta pelo relatório é de mais de 315 milhões de pessoas, ou 94,3% do país.