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Em vez de clarificar, esta corrida tende a apertar. As últimas sondagens indicam um equilíbrio como não se via, em fase tão próxima da eleição, desde 1960, no duelo Kennedy/Nixon. Kamala tem entre dois a três pontos de vantagem nas sondagens nacionais, ou seja, no limiar de uma possível vitória democrata no Colégio Eleitoral, mas sem qualquer garantia disso. Nas sondagens para os estados decisivos, empate técnico nos sete swing states. Empate total na maior parte deles, pequena vantagem Kamala no Wisconsin, pequena vantagem Trump no Arizona. O que poderá desempatar esta corrida tão imprevisível?
As duas últimas sondagens nacionais (Reuters/Ipsos 46-43 e NYT/Siena, 49-46) dão três pontos de vantagem a Kamala Harris no voto nacional. A democrata surge à frente em nove das últimas sondagens, com um empate e nenhum estudo a colocar Trump à frente.
Favoritismo claro de Kamala? Nem por isso. Biden ganhou o voto nacional em 2020 por 4.5% e foi eleito. Hillary ganhou o voto nacional em 2016 por 2.1% e não foi eleita. O Colégio Eleitoral mantém-se empatado, com Trump ligeiramente à frente no Arizona, Geórgia e Carolina do Norte; Kamala ligeiramente à frente no Wisconsin e Michigan; Carolina do Norte e Pensilvânia totalmente empatados.
Pode ser um sinal de que Kamala Harris não estará, nesta ponta final da campanha, tão forte como Joe Biden estava há quatro anos. Trump surge cinco pontos à frente na Geórgia, estado que foi republicano durante três décadas, mas onde Biden venceu Trump por 10.700 votos. Ainda não é "game over" para Kamala nesse estado do sul, mas parece bem mais improvável para Harris vencer aí do que foi para Biden em 2020. E isso pode explicar que Brian Kemp, o governador republicano da Geórgia que há quatro anos fez frente ao então Presidente Trump ao certificar a vitória de Biden, tenha aceitado aparecer ao lado de Trump, ainda que não totalmente em contexto de campanha. Foi depois do furacão Helene; Trump elogiou a forma como o governador Kemp protegeu os seus cidadãos e até jurou que o seu relacionamento com Brian Kemp é "ótimo, ótimo".
O emprego está mais robusto: virá a tempo?
O mercado de trabalho dos EUA criou muito mais empregos do que o esperado durante o mês de setembro: 254 mil novos postos de trabalho, 104 mil acima dos 150 mil que os economistas previam. A taxa de desemprego caiu uma décima, estando agora nos 4,1%, o que revela um mercado de trabalho nos Estados Unidos muito mais robusto do que Wall Street esperava. O crescimento dos salários, uma medida importante para medir as pressões inflacionistas, subiu para 4% em termos homólogos, face a um ganho anual de 3,9% em Agosto. Numa base mensal, os salários aumentaram 0,4%, em linha com a leitura de agosto. Os restaurantes e bares lideraram a criação de empregos no mês, com a indústria hoteleira a adicionar 69 mil postos de trabalho em setembro, após uma média de apenas 14 mil nos 12 meses anteriores. Os cuidados de saúde, um líder consistente no crescimento do emprego, contribuíram com 45.000, enquanto o governo cresceu com 31 mil. Outros ganhadores incluíram assistência social (27 mil) e construção (25 mil).
A três semanas e meia das eleições, a grande ironia é que os EUA estão numa fase de crescimento económico, crescimento do emprego e descida da inflação, mas... o tema que mais desconforta a candidata democrata, vice-presidente da atual administração, é precisamente a Economia. Será que as próximas semanas serão suficientes para que grande parte dos americanos altere essa perceção? Não é, para já, o que as sondagens dizem. Trump lidera no tema Economia por diferenças de 8 a 15 pontos percentuais -- e quase dois terços dos americanos afirmam que se sentiam melhor financeiramente com Trump que com Biden.
Avanço de Kamala nas mulheres terá de ser maior
Kamala precisa de uma vitória robusta no eleitorado feminino para poder vencer a eleição geral. Sondagem Politico/American University coloca a democrata com 15 pontos de vantagem sobre Trump no voto feminino. Com esta particularidade: embora a Economia, no global, seja tema em que Trump lidera, esta sondagem revela que as mulheres confiam mais em Kamala do que em Donald para lidar com a inflação e baixar o custo de vida (46% Kamala/38% Trump). A economia e a inflação são os temas mais importantes para quase dois terços das mulheres inquiridas. “Harris eliminou a vantagem de Trump na inflação, estreitou a margem na economia em geral e aumentou a diferença com as mulheres,” afirma Lindsay Vermeyen, responsável pela condução da sondagem, em declarações ao jornal Político. Em 2022 e 2023, mais de 60% das mulheres em áreas suburbanas mostravam-se pessimistas quanto à economia, mas esse número caiu para 40% nos dados mais recentes. A favorabilidade de Harris entre as mulheres aumentou em 12 pontos percentuais desde 2023, com 55% das inquiridas agora a verem-na de forma positiva, enquanto 41% têm uma opinião negativa. 57% das mulheres mantêm uma visão desfavorável de Trump.
E o aborto?
Nas intercalares de 2022, pouco depois da revogação do "Roe vs Wade", os democratas conseguiram mobilizar vários segmentos na defesa do direito à escolha. Dois terços das mulheres inquiridas nas sondagens afirmam que o aborto deveria ser legal na maioria dos casos e 86% disseram que o governo não deveria interferir nas decisões das mulheres sobre a interrupção voluntária da gravidez. Apenas 14% acreditam que o aborto deveria ser ilegal. Entre as mulheres republicanas, o apoio à proibição do aborto diminuiu significativamente. Em 2023, 24% das republicanas disseram ser contra o aborto em todas as circunstâncias, mas esse número caiu para 12% em 2024. Esta mudança reflete-se num maior apoio a Kamala no aborto, com 55% das mulheres a preferirem a vice-presidente para lidar com o tema. Embora Harris tenha falado pouco sobre os aspetos históricos da sua campanha, nove em cada 10 mulheres democratas afirmaram sentir-se motivadas pela possibilidade de eleger a primeira mulher presidente dos Estados Unidos. Entre as mulheres independentes, 70% também disseram estar entusiasmadas em ajudar a eleger uma mulher para o cargo mais alto do país. Além disso, dois terços das mulheres inquiridas acreditam que o país está agora “mais aberto” a eleger uma mulher presidente do que em 2016.
Em busca dos republicanos indecisos
A campanha de Kamala Harris lançou um novo anúncio especialmente dirigido a eleitores republicanos que ainda possam estar indecisos ou que até ponderem mudar o seu sentido de voto. Nesse anúncio Harris surge com Liz Cheney, ex-congressista republicana do Wyoming e apoiante de Kamala. Os anúncios, de 30 segundos, apresentam Matt McCaffery, um republicano de longa data que votou em Trump no passado, explicando que apoia Harris porque acredita que o ex-presidente prejudicará a classe média. A campanha também contratou estrategas para se concentrarem especificamente nos eleitores conservadores, realizou eventos para envolver os eleitores republicanos em estados decisivos, lançou o movimento “Republicanos por Harris” para ajudar a organizar programas de base e lançou o apoio de republicanos proeminentes. McCaffery, que mora na Pensilvânia, personifica o tipo de eleitor que a campanha de Harris espera que a apoie. “Acredito num governo pequeno, que imponha impostos baixos e fique fora da minha vida. Eu sou um republicano. Votei em Donald Trump e fui à sua posse em 2016. Tentamos isso durante quatro anos. Simplesmente não funcionou.” McCaffery critica o facto de Trump ter apoiantes muito ricos e prefere Tim Walz, o governador de Minnesota, número 2 de Kamala. “Todos esses bilionários estão a sair da toca para apoiar Trump. Eles querem benefícios fiscais às custas da classe média. O que procuro num presidente são pessoas como Kamala Harris e Tim Walz. Acho que ela fará um ótimo trabalho para pessoas como eu.”