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Há dois elogios prévios a fazer ao debate dos vices: o primeiro é que até pareceu um debate normal, algo raro na política americana nos dias de hoje; o segundo é que foi um duelo com muito mais sumo do que o debate dos candidatos a presidente.
Começando pela “normalidade”: não foi total, na verdade, atendendo à realidade alternativa em que JD Vance insistiu em cair na resposta à última pergunta sobre quem venceu em 2020 e tudo o que ocorreu a 6 de janeiro de 2021. Mas descontando essa parte, sem dúvida que o debate de Nova Iorque, promovido pela CBS, foi uma boa surpresa pelo ambiente de cordialidade e urbanidade. Tim e JD apertaram as mãos antes e depois do debate. No final, estiveram até uns segundos largos numa amena troca de impressões.
Depois, o conteúdo: neste debate deu muito mais para tirar ideias sobre propostas e posicionamento das duas candidaturas, se comparado com o da ABC, de 10 de setembro, entre Trump e Kamala.
JD Vance foi globalmente melhor do que Tim Walz, ainda que essa diferença se tenha notado bem mais na primeira hora de debate. Na meia hora final, a vitória deverá ser atribuída ao democrata, depois de um arranque hesitante e a acusar nervosismo.
O Médio Oriente abriu a conversa, embora tenha sido tema lateral. Da Ucrânia, nem uma palavra. Imigração, Economia, Inflação, Aborto, Saúde e Impostos foram questões bem mais dominantes.
Mas a pergunta que devemos colocar é: quem conseguiu entregar melhor a sua mensagem? Possivelmente Vance.
E outra: vai este debate mudar alguma coisa na dinâmica da corrida? Provavelmente, não. Se nem o debate de 10 de setembro, visto por 67 milhões e com uma claríssima vitória de Kamala, permitiu uma mudança relevante…
JD Vance ganhou (pelo menos na comparação com Trump)
O vice do ticket republicano saiu-se melhor do que muitas expectativas nele recaíam e pode ser declarado vencedor. Não teve medo de se demarcar de Trump em alguns temas, assumiu um problema republicano em relação a muitos americanos no tema do aborto. Soube mostrar-se mais urbano e aceitável do que Trump, evitou a agressividade, tratou o adversário pelo primeiro nome ("Tim...").
Na primeira parte do debate isso foi mais evidente, na segunda metade não tanto, tendo em conta a melhoria de desempenho do rival. Vance é bem preparado, eloquente e, por vezes, convincente. Dito tudo isso, voltou a mentir muito: associou a subida dos preços da habitação à imigração ilegal (como?), lançou números errados em relação à quantidade de criminosos condenados entre os "20 milhões de imigrantes ilegais". Jurou que nunca defendeu uma national abortion ban (mentira).
Nas alterações climáticas, pivotou a questão para o nacionalismo económico e as medidas anti-China. E culpou ter acreditado nos media para se justificar de ter chamado "novo Hitler americano" a Donald Trump, há não muitos anos.
Walz inseguro, mas com final potente
O ponto forte de Tim Walz é a sua empatia, o ser o Big Dad Energy. O governador do Minnesota é um tipo normal, alegre, divertido, acessível, bonacheirão. No debate de Nova Iorque, Walz demorou a encontrar o seu registo. Apareceu desconfortável, um pouco nervoso, com discurso nem sempre fluido. O estilo muito formal não lhe assenta bem. Escrevia muitas notas, olhava para baixo, não ficava bem no plano. Onde estaria o "Coach Walz" do início da campanha? Ainda assim, quase sempre bem preparado, a mostrar o profissionalismo dos democratas. O vice de Kamala esteve abaixo da sua número 1 no desempenho do debate, mas acabou por ir melhorando ao longo da peleja. E acabou com um triunfo por "KO" na última pergunta, ao mostrar-se perplexo por JD Vance se recusar a admitir que Trump perdeu a eleição de 2020 e ao fazer uma defesa bem fundamentada e fortemente convicta da democracia e do processo eleitoral. Também tinha estado bem na questão do aborto e ao elogiar o senador republicano do Oklahoma, James Lankford, por ter contribuído para o acordo bipartidário na gestão da fronteira, que Trump viria a dar ordens para travar, de modo a não dar aos democratas um possível trunfo eleitoral.