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Quem quiser compreender melhor porque é que as pessoas estão cada vez mais afastadas dos partidos políticos ditos tradicionais, é vir a um congresso partidário. Não é assistir pela televisão, não é acompanhar pela rádio, nem ler as notícias que vão sendo publicadas pela imprensa e que dão apenas o "sumo" de uma reunião que, de magna, tem cada vez menos. É ser a "mosca" na sala onde estão reunidos os delegados e perceber o que os move. Como se movem.
É verdade que os congressos perderam a alma quando deixaram de ser eletivos. Mas isso não explica tudo. Ao longo dos anos, os partidos - sobretudo os dois maiores - deixaram-se fechar numa bolha que foi ficando cada vez mais pequena, enquistaram-se - como diz e bem Rui Rio - e começaram a preocupar-se mais consigo próprios do que com as pessoas e com o país. É vê-los, aos delegados, horas infinitas à espera dos seus 15 segundos de fama no púlpito, indiferentes ao facto de estarem a falar para uma sala vazia, interessados apenas no vídeo que o partido a seguir lhes fornece e que eles vão a correr partilhar nas redes sociais para mostrarem "lá na terra" que são muito importantes.
Alguns falam "olhos nos olhos" ao líder do partido, outros tentam insuflar a voz que não têm e outros ainda ensaiam um soundbyte ou outro na esperança de que algum órgão de comunicação social "pegue" naquilo e faça uma notícia que também possa ser partilhável no Facebook. E ai do líder que se levante da cadeira e não fique até às quatro da manhã a assistir a este exercício narcisístico, a ouvir discursos desinteressantes, sem qualquer conteúdo e, sobretudo, sem qualquer substância política. Seria um desrespeito. Quando descem do púlpito: missão cumprida. Já podem ir para a rua fumar cigarros ou ficar dentro da sala na conversa com os amigos, ignorando os que a seguir sobem ao palco.
O PSD está longe de ser caso único, mas é o exemplo mais recente. Foram mais os períodos em que a sala do centro cultural de Viana do Castelo esteve praticamente vazia do que os momentos em que esteve cheia. Foram incontáveis as vezes em que o presidente da mesa do congresso teve que repreender os delegados por estarem a fazer muito barulho dentro da sala, como se fossem meninos na escola a serem repreendidos pelo professor. Foram constrangedores alguns dos discursos que aqui se ouviram. E foi, sobretudo, muito óbvio o desinteresse do país no que se passou no Congresso do PSD este fim de semana.
Rui Rio, que anda há anos a criticar a forma como os partidos políticos se estão a distanciar das pessoas, não está propriamente a ajudar a fazer essa aproximação. Durante os longos e penosos 50 minutos de discurso que fez, em tom dormente, ao congresso e ao País, Rio passou em revista os temas que há mais de 30 anos o apoquentam. A justiça, o sistema político, a segurança social, o crescimento económico, os serviços públicos, a demografia. Recentemente, o presidente do PSD começou a introduzir também o tema das alterações climáticas, mas nem nisso consegue ser original.
Talvez Rui Rui não queira ser original. Talvez estas sejam, de facto, as grandes linhas da ação política do PSD que o presidente agora reeleito quer implementar nos próximos dois anos. Mas isto encerra dois problemas graves: o primeiro é o de encontrar uma resposta no discurso de Rui Rio ao como e ao quando. Como é que o PSD quer reformar a segurança social, tendo em conta que dois anos ainda não parecem ter sido suficientes para apresentar propostas concretas? Como é que o PSD quer combater as alterações climáticas, o que estamos a fazer de errado e que propostas alternativas tem o partido? Que modelo económico tem o PSD assim tão diferente do Partido Socialista que retire a economia portuguesa desta letargia em que se encontra há décadas? Quando é que o Partido Social Democrata conta conseguir fazer a tão desejada reforma do sistema político, se para isso é preciso entender-se com o Partido Socialista e António Costa não quer?
Mas o discurso de Rui Rio tem um segundo problema: é ser feito em politiquês e não em português. E falar politiquês é precisamente fazer este discurso repetitivo, cheio de frases feitas. Verdadeiras, muitas delas, mas que já não dizem rigorosamente nada às pessoas. É fazer um discurso cheio de generalidades sem nunca descer ao concreto, ao dia a dia de quem o está a ouvir. É não compreender que a política e as reformas começam em pequenas coisas. Nas pequenas conquistas. Do discurso de Viana do Castelo do presidente do PSD não saiu nada sobre a ação do PSD nos próximos meses. Nenhuma orientação política sobre presidenciais ou sobre autárquicas que o país não soubesse já. Podemos achar, como acho, que Rui Rio é um político coerente e teimoso, que não abdica das suas ideias e que as defende até ao fim. Mas para quem ambiciona ser primeiro-ministro, isto é claramente curto e nada mobilizador.
Por isso, a pergunta que me ocorre, no final de mais um congresso, é para que é que ele serviu, para além de eleger os órgãos do partido? Os congressos - tal como as campanhas eleitorais, já agora - são cada vez mais o espelho de uma degradação acelerada dos partidos ditos tradicionais. Eles servem cada vez menos para discutir ideias, para delinear estratégias ou para construir alternativas políticas para o país. E são cada vez mais uma enorme encenação, que atrai cada vez menos gente e, mais grave ainda, diz cada vez menos aos cidadãos.
É por isso que a reflexão a ser feita tem de ser muito mais profunda. Antes de quererem reformar o País, os partidos têm obrigatoriamente que se reformar a si próprios e recuperar a credibilidade que estão a perder todos os dias. Sob pena de continuarem a abrir brechas que deixam aumentar o caudal populista, demagógico e antidemocrático de partidos oportunistas que se alimentam do sofrimento e da desilusão do eleitorado.