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"Tenho ouvido muitas pessoas falarem de meio confinamento. Na verdade, as pessoas estão a falar de não cumprimento das regras que existiram em março do ano passado." É assim que Daniel Oliveira tem assistido ao novo regime de encerramento. No habitual espaço de Opinião na TSF, o jornalista nota que o "que as pessoas usavam como exceção passaram a utilizar como regra".
Trata-se de um relaxamento que não é surpresa, mas até esperado. "As pessoas tendem, à medida que o tempo vai passando - os especialistas explicam-no muitas vezes -, a negligenciar o perigo, e os confinamentos são cada vez mais difíceis de impor", sustenta Daniel Oliveira. "Será provavelmente, e foi isso que o primeiro-ministro anunciou ontem, necessária mais coação e maior proatividade das forças de segurança para impor a lei."
Para os mais desatentos, o cronista sistematiza: "Ouço muitas pessoas dizerem que há demasiadas exceções. Na realidade, há quatro exceções relevantes: as escolas abertas, os tribunais abertos, as visitas a lares e a prisões, que são permitidas."
Incomoda-me que muitas pessoas que andam a passear na rua, sem qualquer necessidade, sejam tão ligeiras a exigir que se tire o mais depressa possível crianças e jovens das escolas.
Como a população não tem incluído os tribunais na lista do maior risco de contágio, e como "ninguém quer proibir visitas a lares porque sabem o efeito que isso teve na saúde dos idosos no último confinamento", sobra "a questão das escolas", lamenta Daniel Oliveira, que se mune de alguns argumentos contra a hipótese. "Os números de janeiro podem incluir qualquer coisa das escolas, mas parece-me que seguramente muito pouco. Grande parte terá sido durante as férias. As pessoas nas ruas, que vimos no último fim de semana, não têm nada a ver com as escolas."
Para o jornalista, é claro: um novo encerramento das escolas desencadearia "um segundo ano muitíssimo afetado, e isso tem efeitos prolongados no futuro das crianças e dos jovens". O cronista fala mesmo em "efeitos devastadores" nos jovens "mais pobres, cujos pais não têm capital cultural e até condições para acompanhar os seus estudos", e do peso de um preço futuro, que se prende com deixar "centenas de milhar de pessoas, crianças e jovens atualmente, para trás".
Perante a nova variante, que é mais transmissível nos jovens, pode ser inevitável encerrar as escolas, pelo menos para miúdos com mais de 12 anos.
"Incomoda-me que muitas pessoas que andam a passear na rua, sem qualquer necessidade, sejam tão ligeiras a exigir que se tire o mais depressa possível crianças e jovens das escolas", admite Daniel Oliveira.
As pessoas mais pobres pagarão a maior parte da fatura. No entanto, sublinha o cronista, "continuam a trabalhar em situações muito precárias, e não têm capacidade financeira ou capital cultural para conseguirem compensar os seus filhos da saída da escola".
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Achei preocupante ouvir o PSD defender o encerramento das escolas dizendo que devem encerrar as coisas que contribuem menos para a produção nacional.
"Perante a nova variante, que é mais transmissível nos jovens, pode ser inevitável encerrar as escolas, pelo menos para miúdos com mais de 12 anos; pode não haver outro remédio", reconhece o cronista. Mas Daniel Oliveira lembra também que os especialistas não são consentâneos quanto à matéria, e que é possível que novas ideias aflorem, à medida que a compreensão sobre o vírus aumenta. "Eu só acho aceitável que isto aconteça depois de muitas outras coisas, indispensáveis à subsistência, encerrarem. Achei preocupante ouvir o PSD defender o encerramento das escolas dizendo que devem encerrar as coisas que contribuem menos para a produção nacional."
Podíamos começar pelos adultos cumprirem as regras e, só depois disso, vermos se é mesmo indispensável retirar o futuro a muitos jovens e crianças.
É certo que os efeitos do fecho dos estabelecimentos de ensino não serão sentidos agora, aclara o jornalista. "Sentem-se mais tarde, são mais profundos até para a produção nacional, e sobretudo afetam os que têm menos voz no espaço público", argumenta Daniel Oliveira. Está apresentada a razão pela qual "incomoda" o jornalista "ver toda a gente a passear na rua, mas com uma enorme urgência de fechar as escolas".
"Podíamos começar pelos adultos cumprirem as regras e, só depois disso, vermos se é mesmo indispensável retirar o futuro a muitos jovens e crianças, ou, pelo menos, torná-lo muito mais difícil."
As pessoas "começam a relaxar", assinala o jornalista. A bem da defesa do Estado democrático, Daniel Oliveira não quer que as ruas sejam lugares de ações coercivas e aponta que, de facto, "isso não se tem sentido".
Alguma pressão tem de ser feita para que as pessoas cumpram minimamente.
"Feroz defensor dos direitos, liberdades e garantias", o jornalista não deixa de considerar que "alguma pressão tem de ser feita para que as pessoas cumpram minimamente, porque quem vai pagar, além das vidas que se perdem, são também os outros que são obrigados a ir para casa, os que perdem o emprego a troco de nada".
O jornalista analisa ainda que, mesmo que os passeios ao ar livre não sejam responsáveis por um aumento exponencial de casos, há um "efeito simbólico" que contribui para o restante incumprimento. É importante, vinca o jornalista, que o ACT atue no trabalho, para que as pessoas não sejam colocadas em risco, e que a polícia possa dizer presente na rua, uma presença que tem o papel crucial do alerta, "apenas como um alerta".
"As minhas preocupações com o Estado de direito têm sido outras, e já não vejo muitos a preocuparem-se com elas", remata.
* Texto redigido por Catarina Maldonado Vasconcelos