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Em maio de 2022, um ativista que atirou uma torta para a "Mona Lisa" de Leonardo da Vinci iniciou uma onda de protestos sobre a emergência climática que lançou o debate à escala global. Desde então, os principais museus do mundo já registaram mais de uma dúzia de ataques. O impressionista Monet, por exemplo, já foi visado duas vezes. Razão para que muitas das reações ao lançamento de ovos e tinta verde sobre o ministro do Ambiente, nas redes sociais, tenham partido do paralelismo com esta forma de ativismo: "Mais vale visar Duarte Cordeiro do que obras de arte".
Atacar obras artísticas, bloquear estradas, atirar tinta sobre governantes resulta sem dúvida em momentos de forte atenção mediática. Mas será que essa atenção se traduz em mais simpatia, mobilização e mudança para a causa climática, ou produz um efeito de rejeição que prejudica a luta? Naturalmente não haverá uma resposta única para esta dúvida, mas alguns indicadores contribuem para a reflexão. Um estudo da Universidade da Pensilvânia concluiu que 46% dos entrevistados desaprovam protestos com ataques a obras de arte ou bloqueios de trânsito. Em França, estudos de Marc Lomazzi sobre o ambientalismo radical concluíram que, apesar da simpatia generalizada pela causa, intervenções que promovem a destruição ou que dificultam a vida coletiva causam impacto negativo.
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Para muitos destes ativistas, a intervenção radical é a única forma de agitar consciências e o fim justifica os meios. Há dados científicos suficientes para concluirmos que caminhamos a passos largos para a catástrofe, logo de nada servirá a cultura, a educação ou o quadro estável da legalidade se não tivermos planeta nem futuro. Em teoria, a argumentação parece fazer sentido, se concordarmos que um objetivo permite relativizar leis e princípios básicos para a nossa convivência comum.
Vamos admitir, no entanto, que o mesmo raciocínio começa a ser aplicado a outras causas cuja nobreza é consensual. A luta pela não discriminação racial ou de género. O combate contra formas extremas de pobreza e exclusão social. A consciencialização relativamente à exploração laboral e o tráfico humano. É possível hierarquizar combates, decidir a partir de que momento passa a ser legítimo radicalizar posições, quando é que violar a lei compensa para agitar a opinião pública?
Se legitimarmos a agressividade nalgumas lutas, teremos de a considerar moralmente aceitável noutras. E esse é o maior risco de ações extremas a pretexto dos seus fins bondosos. Há muitas formas de ação, mas desconfio sempre das que são destrutivas.
