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Ontem tudo era normal, ou ao menos, previsível, mas hoje, hoje a vida é feita de constantes mudanças. E, no limite, nem com a previsibilidade das mudanças podemos contar.
Nenhum dia é já igual ao outro.
Aos nossos olhos, feito filme, um mundo em plena transformação é estreado. São líderes erráticos, são alterações climáticas, são migrações, são paraísos que escondem sob as suas águas milhares de corpos, são pestes, são catástrofes, são mentiras requentadas para apanhar os novatos, são tempos em que um animal de estimação come melhor do que uma criança...do que muitas crianças, e recebem mais afeto e cuidados do que os pais da criatura.
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Vivemos num tempo da busca desenfreada pela adrenalina.
E, apesar de o país estar a envelhecer a passos largos, segundo o recente estudo da Fundação Manuel dos Santos, isso não é necessariamente sinónimo de amadurecimento coletivo.
Enquanto coletividade, vimos a cometer os mesmos erros de há décadas.
Porque as lições de outrora custam tanto a serem compreendidas e assimiladas?
Porque eles não deixam! E nós permitimos.
Outro dia, deparei-me com uma pessoa muito especial, que estava justamente a dedicar-se a relatar as histórias da guerra colonial das gentes da sua terra.
Ouvi embevecida cada palavra, chocada muitas vezes e, no final, ficou-me o travo amargo de que, nada - ou muito pouco - se tinha aprendido com os tempos da guerra colonial e, pior, uma, duas gerações ficaram para sempre marcadas com os traumas vividos pelos soldados sobreviventes.
As histórias pessoais dignas de um filme dos tempos da guerra, as cartas trocadas, os filhos que cresciam algures, as mulheres a desdobrarem-se para pôr pão na mesa.
E, quando o marido ou os filhos regressavam à casa, não voltavam com eles os que partiram.
Tornaram-se estranhos até para os seus.
O tempo ajudou a curar certas mazelas da alma, mas não a rispidez da língua, o gesto bruto, as tainadas até que o álcool apagasse os lamentos.
Essa geração está a chegar ao fim, combalida, retorcida; contudo, deixou toda uma descendência de pessoas distantes emocionalmente, alienadas na sua carência, mesquinhas na sua sobrevivência.
Que não podemos culpar eternamente os nossos pais e País pelo nosso fracasso coletivo e individual, é verdade.
Mas há que perceber o que nos amarra e sufoca. O porquê do fado. O porquê da correria que se torna selvajaria.
A velocidade do tempo a fazemos nós. E o relógio pode ser parado. Deve ser parado.
Parado para refletirmos. Parado para que repensemos esses tempos. E com sorte...
Parado para que a banda passe, o cortejo prossiga, a sardinha pingue na broa, o vinho seja aberto à maneira, os sinos dobrem no domingo em despique, os putos brinquem ao pião e à bola. Ah, os putos.
Só daí soltamos o relógio. Para que se apresse, sim, mas apresse-se lentamente (festina lente).