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Já percebemos há muito que os ministros da Educação e da Saúde não têm respostas nem receitas mágicas para travar o turbilhão que ameaça a estabilidade da escola pública e do SNS. Na prática têm gerido com esforço as frentes de contestação e desenhado propostas que contenham a gigantesca insatisfação nos dois setores, evitando que o primeiro-ministro seja obrigado a intervir.
Na entrevista desta semana, António Costa foi claro nas mensagens enviadas a ambas as classes profissionais: o Governo já foi até onde entendia ser possível. No caso dos médicos, a dedicação plena é a ambicionada varinha mágica com que o Governo espera vir a reter profissionais nos hospitais públicos. Quanto ao braço de ferro com os professores, a equidade com outras carreiras públicas é a justificação avançada para não ceder na exigência da recuperação integral do tempo de serviço que esteve congelado.
Os sinais sobre o caminho a seguir pelo Governo têm sido abundantes e não se pode dizer que haja hesitações ou inversões no sentido de marcha. Essa clareza foi, de resto, sublinhada por António Costa. "Comigo não há ilusões, por isso não há frustrações", declarou, como que a tentar cortar pela raiz tentativas de prolongar eternamente discussões que se arrastam há meses.
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Acontece que, por muito clara que seja a mensagem do primeiro-ministro, ela não deixa espaço à conciliação manifestamente necessária quer com médicos, quer com professores. E não se trata de ceder a pressões, ou de entrar em promessas insustentáveis para o país, mas sim de mostrar abertura e preocupação com profissionais que atingiram um ponto de esgotamento e de desmotivação que pode colocar em risco as respostas públicas até aqui existentes.
No início do ano letivo, o ministro João Costa tentou colocar o ónus de eventuais perturbações causadas por greves sobre os professores. Ontem, o ministro Manuel Pizarro apelou à "deontologia" dos médicos para manter as urgências a funcionar, esquecendo-se que o Regulamento de Deontologia Médica prevê que os profissionais exerçam a profissão "em condições que não prejudiquem a qualidade dos seus serviços". Um modelo assente, como tem acontecido, sobre o excesso de horas extra compromete essa qualidade e tem como consequência médicos exaustos e descrentes na capacidade do SNS.
Sucessivos inquéritos mostram que a opinião pública está, em larga maioria, do lado dos professores e dos médicos. Por razões óbvias: educação e saúde são funções essenciais do Estado. A perceção que delas tem a generalidade dos portugueses terá sempre impacto político. Mesmo sem prometer aquilo que não pode dar, António Costa tem de encontrar soluções novas. E tem, além disso, de mostrar vontade de dialogar e de abrir portas. Sem esse diálogo, corremos o risco de assistir ao desmoronamento do SNS. As frustrações não são dos profissionais do setor, são de todos os portugueses.
