Corpo do artigo
O prazo inicialmente definido para a transferência de competências para as câmaras municipais no âmbito da Educação (e também da Saúde) foi prorrogado (como era previsível) até ao último dia do mês de março de 2022. Perceciono - tendo em conta que o ano escolar não é coincidente com o ano civil - que muitas autarquias irão aderir até julho do próximo ano, pela necessidade que determina uma preparação cuidada e prévia do ano letivo 20/21, julgando esta uma opção ajustada.
Pena é que a preocupação (indiscutível) com a Covid desvie os olhares de uma alteração de vulto para as escolas, podendo apanhar desprevenidas as comunidades educativas menos atentas, embora prenuncie que seja uma etapa intermédia, de transição para a regionalização, objetivo mais ambicioso.
Afloro neste espaço algumas convicções já partilhadas noutros fóruns e periódicos, e que ganham robustez e uma maior pertinência à luz dos resultados das experiências a decorrer em alguns concelhos.
Não se estranhe, por conseguinte, o inevitável aumento da desconfiança das escolas e dos seus diretores, sentimento inversamente proporcional ao investimento no debate e na clarificação das intenções do governo, legitimando a descrença. O reforço da escassa autonomia detida pelas escolas só poderá ser concretizado através da transferência de competências/funções, objetivamente definidas, da tutela diretamente para a sua alçada.
Que dizer:
1. De uma descentralização que surge de forma atabalhoada, mas que não motiva a extinção de uma qualquer repartição em Lisboa? Estranho!
2. Da apropriação do Parque Escolar por parte do governo, à guisa de troféu do anafado centralismo? Duvidoso!
3. Dos inúmeros viajantes que, à 2.ª feira, partem dos seus distritos carregados de papelada para despachar em Lisboa? Constrangedor!
4. Do afastamento dos diversos representantes da Educação (professores, diretores, técnicos) da discussão de tão significativa alteração estrutural que se deseja impor? Imprudente.
Por estas e por outras, as escolas mantêm-se céticas face às incongruências praticadas, reféns de uma tirania pouco elucidativa. Afigura-se a Regionalização mais sedutora?
É desaconselhável que cada município se converta num Miniministério da Educação ou delegação, desresponsabilizando-se por completo este setor governamental. A criação de empresas municipais de educação anularia as minguadas margens de autonomia de que os estabelecimentos de ensino atualmente dispõem, abrindo lugar à politização e à dependência local, nefasta para uma área deveras importante, cujos profissionais bem dispensam.
O campo de ação das câmaras municipais já incide, em parte, nalguns setores (para além dos transportes escolares), no âmbito da educação pré-escolar e 1.º Ciclo e, por isso, estas têm uma experiência que deve ser aproveitada (embora a um nível de responsabilidade distinto). Considero que a gestão de recursos humanos, concretamente do pessoal não docente (sendo a empregabilidade uma realidade apetecível pela importância e poder que convoca), a gestão dos edifícios escolares e a ação social escolar possam ser transferidos, pelos ganhos que a proximidade alavanca.
O Ministério da Educação (ME), ademais, continuaria a gerir os recursos humanos (pessoal docente), as questões pedagógicas e a assumir um papel regulador. Estou ciente do quão tentador seria para algumas autarquias a gestão do pessoal docente, mas julgo que nem material nem mentalmente, o nosso país está ou reúne condições para dar um "passo maior que a perna".
A oferta de cursos profissionais, de educação e formação e outros deveria ser atribuída à autarquia e às escolas, por via da articulação a nível municipal e do planeamento da rede escolar, auscultado o ME. Este é recorrentemente um dos assuntos mais sensíveis e polémicos, uma vez que todos os anos os estabelecimentos públicos reclamam ser prejudicados em detrimento dos privados, que acusam de favorecimento em relação ao número e tipo de cursos que lhes são autorizados.
Todavia, o maior perigo deste processo tem a ver com o comportamento das autarquias. Dando como exemplo a promoção das atividades de enriquecimento curricular, se algumas são promotoras das mesmas e realizaram um trabalho de superior qualidade, outras substabeleceram essa ação para entidades privadas pelos mais diversos motivos, o que, no caso em apreço, será totalmente indevido e, eventualmente vedado, em contrato de execução.
Uma correta e explícita definição de competências/funções a nível central, do município e das escolas evitará posteriores conflitos de interesses, salvaguardando-se um clima harmonioso e participado, que fomente a colaboração estreita e proveitosa para todos.