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Com uma comissão parlamentar de inquérito a escavar na ferida aberta pela polémica indemnização de meio milhão de euros à ex-administradora da TAP Alexandra Reis, era certo e sabido que ainda haveria muito que contar sobre este caso. Depois de ontem ouvirmos a CEO demitida pelo Governo, torna-se evidente que não têm faltado omissões, inverdades e acrobacias a justificar as responsabilidades de muitos dos envolvidos.
Por muitos eufemismos que usemos, ou Christine Ourmiéres-Widener falta à verdade, ou Gonçalo Pires, gestor financeiro ilibado pela Inspeção-Geral de Finanças e que se mantém no cargo, mentiu ao Parlamento. Com uma cronologia dos primeiros dias de janeiro de 2022, a gestora foi muito clara a recordar os passos dados quando percebeu que Alexandra Reis não tinha perfil para o cargo. Gonçalo Pires terá sido informado a 19 de janeiro e terá acompanhado as decisões para reorganizar a equipa.
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Igualmente a par de tudo estaria sempre o ex-secretário de Estado Hugo Mendes, que a 2 de fevereiro terá enviado à CEO uma mensagem informando que o então ministro Pedro Nuno Santos tinha autorizado o acordo. Pelo meio, houve reuniões, trocas de mensagens sobre valores praticados em anteriores indemnizações na TAP e negociações com que Christine Ourmières-Widener justifica o facto de se ter limitado a assinar documentos validados por via jurídica e por via política.
E se é verdade que ficam por explicar as totais desarticulações entre os ministérios das Infraestruturas e das Finanças e entre o gestor financeiro e a sua tutela, não faltam farpas da CEO a Fernando Medina, que diz ter-lhe pedido que se demitisse, e à ausência de orientações de João Galamba numa altura crucial para o futuro da empresa.
Ficámos ainda a perceber que em janeiro deste ano, na véspera da primeira ida ao Parlamento para explicar a saída de Alexandra Reis da companhia, a gestora foi chamada para uma reunião com membros do PS e elementos dos gabinetes dos ministérios das Infraestruturas e dos Assuntos Parlamentares. Embora tenha assegurado que não houve qualquer combinação prévia para as questões que iam ser colocadas, fica bem clara a preocupação do partido que suporta o Governo com o dossiê. Isto por mais que António Costa, tão pressionado desde dezembro passado pela tempestade, assegure não recear toda a verdade, "doa ela a quem doer".
É possível que, apesar das 60 audições previstas na comissão de inquérito, nunca consigamos saber toda a verdade em relação às indemnizações da TAP, o grau de conhecimento que houve no Governo, o desprendimento e falta de acompanhamento de atos cruciais de gestão, as faturas que eventualmente toda a trapalhada em curso possa vir a custar, nomeadamente se não se confirmarem os requisitos formais para o despedimento com justa causa.
Christine Ourmiéres-Widener deixou bem claro desde que foi demitida em direto nas televisões que não aceitaria com facilidade as alegações do Governo, com base no processo da Inspeção-Geral das Finanças. Ontem disse com todas as letras que foi um "bode expiatório" no meio de uma guerra política. Quanto mais ouvimos sobre o caso, mais parece inevitável concordar que sim.
