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A semana começou chuvosa e logo o trânsito encarnou os mais maléficos demónios, infernizando a vida aos condutores, que chegaram ao trabalho com níveis de stress e ansiedade que nem oito horas depois, quando se preparam para voltar a casa, são admissíveis. Mas quando pensamos que está tudo perdido, depois da paciência, até a primeira reunião da manhã, percebemos que podemos esperar pior ainda.
Agora, a fila que não andava congelou definitivamente porque dois homens saíram disparados, cada um do seu carro, para resolverem com "uppercuts" e ganchos de direita aquilo que semáforos e rotundas não solucionaram. Pugilismo num ringue de boxe com tapete de alcatrão é coisa para entupir o 5G de qualquer operadora.
Jovens e velhos, condutores e penduras, saíram dos automóveis a correr de telemóvel em punho. Dois ou três, mais sensatos, procuram separar os atletas, vestidos de fato e gravata, um equipamento muito menos engraçado do que as camisolas de alças e calções XXXXL dos pugilistas. Aquele assalto de segunda-feira, sem direito a KO, ocorreu-me quando me cruzei com uma chamada na capa da edição de ontem do Jornal de Notícias: "Agressão na "Casa dos Segredos" dá melhor resultado do ano à TVI", titulava o JN.
Estranha forma de vida em sociedade esta que nos conduz à valorização da violência parva e fútil. Trata-se de um problema sério, porque sabemos muito bem como aqui chegámos, mas desconhecemos aonde nos levará o coma induzido pela sedução do voyerismo grotesco, por imagens e vídeos desaconselháveis que se transmitem nas redes socais como vírus sem vacina.
Como se não bastasse, o processo de estupidificação acrescenta contornos de ironia tão fina como uma lâmina de barbear. Na estrada congelada, entretanto, o verde do semáforo deu esperança aos condutores atrasados, as vias rapidamente ficaram desentupidas e todos puderam desacelerar um pouco o ritmo cardíaco, exceto aqueles que, à entrada do cruzamento que virou ringue de boxe, tiveram de esperar que os operadores de câmara de trazer por casa voltassem aos automóveis.
