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Daniel Oliveira fala sobre os mais recentes acontecimentos em Brasília: as invasões dos edifícios do poder brasileiro por manifestantes bolsonaristas. Na perspetiva do jornalista, estes ataques "não foram" um "ato espontâneo, fruto de frustração e revolta", mas sim "um ato planeado que seguiu o modus operandi do ataque ao Capitólio" e teve o mesmo objetivo: "Que os democratas tenham medo de enfrentar os seus inimigos."
"Jair Bolsonaro preparou isto há mais de um ano e meio, lançando suspeitas sobre um sistema de votação que elegeu os vários presidentes da democracia brasileira, que o elegeu a ele. Se alguém tinha dúvidas quanto à má-fé das suspeitas lançadas, teria de as ter perdido no dia em que o partido de Bolsonaro tentou impugnar apenas a segunda volta das eleições e apenas a eleição do presidente, apesar dos seus governadores, deputados e senadores terem sido eleitos nas mesmíssimas urnas", afirma Daniel Oliveira no seu espaço habitual de Opinião na TSF.
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O jornalista descreve Bolsonaro como "amante confesso da ditadura militar", que "nunca tentou simular que respeitava a democracia". "O seu respeito por ela começa e acaba no momento em que ela lhe dê a acesso ao poder. Não critico Bolsonaro por não ter sido mais claro neste momento, nem consigo compreender os apelos para que o fizesse. Não será quem excitou os seus apoiantes contra a democracia que os acalmará com apelos. Quem fez a população descrer nos resultados eleitorais, não pode pedir que os respeite, dar a Bolsonaro esse poder é perpetuar a chantagem que faz sobre a democracia", considera o comentador.
Tal como Trump, "Bolsonaro é o líder moral deste ataque à democracia e à segurança do Estado, e assim deve ser tratado". "A coordenação da invasão às sedes dos poderes legislativo, executivo e judicial e o financiamento que foi necessário para manter quase dois meses de manifestações e transportar milhares de pessoas para a tomada de Brasília não vieram de pessoas fanatizadas por redes de desinformação. Só têm de seguir o dinheiro, não são lunáticos, não são desesperados."
Daniel Oliveira diz que "há quem queira que tratemos estas pessoas, que, não representando a totalidade ou até a maioria dos eleitores em Bolsonaro, estão longe de ser uma pequena massa fanatizada, como gente que perdeu a capacidade de se guiar pela moralidade comum". "São tão destituídos de limites morais como qualquer fanático, que acredita que os seus fins indisputáveis justificam todos os meios."
"Nada há de novo nisto e não, não são vítimas desesperadas. Os miseráveis favelados a quem o Brasil tudo recusa não têm capacidade para fazer excursões a Brasília e não, não são estúpidos, são inimigos da democracia", reforça.
O jornalista recorda que houve quem "criticasse Lula da Silva por não ter optado por um tom mais unificador", ou seja, que Lula deveria ter-se dirigido a "quem defende que bandido bom é bandido morto", mas que depois "entra em edifícios do Estado para os vandalizar e pilhar com brandura e compreensão".
"Se Lula errou foi ao ter dado ao seu ministro da Defesa a tarefa de desmobilizar manifestações que exigiam um golpe militar em frente aos quartéis e ao não reagir quando este disse que estas eram manifestações democráticas onde tinha amigos e parentes. Lula pode ter de fazer muitas alianças, elas não podem incluir quem não tenha um compromisso de ferro com a democracia. Se Lula errou foi ao confiar que o governador do Distrito Federal e o seu secretário da Segurança Pública, um aliado e ex-ministro de Bolsonaro, defenderiam o poder democrático instituído em Brasília", defende Daniel Oliveira.
"Nada disto é um fenómeno no Brasil, nem tem a ver com maior ou menor popularidade do presidente democraticamente eleito pela maioria dos brasileiros. É um fenómeno global que encontrou nas redes sociais e nas crises económicas sucessivas do capitalismo o instrumento e o caldo para derrubar a democracia. Com variantes, segue o mesmo guião: a criação de fábricas de desinformação nas redes sociais, infiltração nas forças policiais que, em Washington e em Brasília, mostraram relutância em agir ou cumplicidade com o crime e deslegitimação das instituições democráticas, que começa no desprezo pelas regras do debate parlamentar e acaba na desconfiança em relação aos resultados eleitorais", completa o comentador, relembrando que "André Ventura apressou-se a distanciar-se do acontecimento, mas não deixou de dizer que compreendia a raiva de quem recusa a vontade democrática da maioria".
"Entende-se que não seja conveniente aparecer ao lado de selvagens a destruírem o património público em Brasília ou em Washington. Mas a sua estratégia é a mesma que levou trumpistas e bolsonaristas a fazer o que fizeram: desrespeito pelas regras do debate político, incitação ao ódio entre cidadãos como base de crescimento eleitoral e infiltração política nas forças de segurança, alimentando a subversão dentro do Estado", sustenta.
Para Daniel Oliveira, Ventura e os restantes líderes da extrema-direita europeia "não são cúmplices de Trump ou Bolsonaro, são seus aliados".
"Cúmplices foram e são alguns supostos moderados que têm medo de enfrentar a extrema-direita e se dedicaram a fazer equivalências absurdas. Lula perdeu três eleições e aceitou sempre o resultado. Dilma foi inconstitucionalmente afastada da presidência e não deu espaço à reação violenta. Lula foi preso por um juiz que se tornou ministro de Bolsonaro e não fugiu para Miami. Quem faz a equivalência entre os democratas e os seus inimigos não defende a democracia e, até ser clara nessa fronteira, a direita democrática ficará refém destes caudilhos e, mais tarde ou mais cedo, será devorada por eles", conclui.
Texto: Carolina Quaresma