O Brexit é um rebento indesejado mas que não é filho de pais incógnitos, ainda que Theresa May seja apenas mãe adotiva, disposta a honrar o compromisso da gestação.
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Chama-se David Cameron o pai do Brexit. Era primeiro-ministro e líder do partido conservador quando prometeu um referendo para ganhar eleições, pensando que não as ganharia com maioria absoluta e depois não teria apoio para cumprir a promessa, só que ganhou!
Fez depois uma tímida campanha pela permanência na União, Theresa May fez o mesmo, o partido trabalhista não fez diferente e em Bruxelas acreditou-se durante demasiado tempo que tudo ia acabar bem. Referendo com a vitória do Brexit e muitos meses de negociações depois, o mais certo é que tudo acabe mal...
É óbvio que ninguém no Reino Unido quer uma fronteira a dividir a Irlanda colocando em causa o acordo de paz de Stormont de há vinte anos.
É óbvio que a União Europeia não pode permitir que o Reino Unido saia e que a Irlanda do Norte continue a negociar com a República da Irlanda e com a Europa continental como se continuasse a fazer parte de um estado membro da União.
Mas nem tudo está perdido. A Academia tem avançado com hipóteses que permitam desbloquear o impasse. Deixo aos ouvintes/leitores da TSF alguns exemplos, aqui muito sintetizados... que o tempo não corre só contra os britânicos:
- James Anderson, professor emérito de Geografia Política e membro fundador do Centro de Pesquisa de Fronteiras Internacionais da Queen's University em Belfast, aponta como solução a Irlanda do Norte ingressar no Espaço Económico Europeu, que é projetado para dar acesso ao Mercado Único a territórios não pertencentes à EU. A ilha poderia estar simultaneamente em zonas de livre comércio com a Grã-Bretanha e com a UE. Seria um espaço "intermediário" localizado dentro das fronteiras rígidas que passam a separar a Grã-Bretanha da EU.
- O professor de Princeton Philip Pettit detalhou um modelo imaginativo de "espaço compartilhado": os regulamentos alfandegários permaneceriam os mesmos que existem agora para a entrada de pessoas e bens para a Irlanda da UE continental e da Grã-Bretanha; a saída para o continente e para a Grã-Bretanha também seguiria as regras atuais de livre circulação de pessoas e bens originários da Irlanda - mas não para os originários fora da Irlanda. Por exemplo, os cidadãos da UE não irlandeses que viajam da Irlanda podem ser impedidos de entrar na Grã-Bretanha...
Ou seja, propostas académicas para ajudar a evitar aquilo que todos receiam: um não acordo para fazer frente à ideia de fronteira entre a República da Irlanda (estado membro da UE) e a Irlanda do Norte (contra a vontade de uma parte é certo), território do Reino Unido que sai da União Europeia a 29 de março.