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Passaram ontem 45 anos de uma madrugada sangrenta em Angola. O dia 27 Maio de 77 ficou na História como o primeiro de muitos dias trágicos para aquele jovem país onde a democracia não se escrevia ainda e a liberdade de expressão se pagava a sangue, com a vida.
Só há pouco tempo o presidente da república angolana, João Lourenço, pediu desculpa pelos desaparecimentos forçados e assassinatos dessa purga sangrenta de 1977 e prometeu reparação tardia aos familiares das vítimas e a honra das suas memórias.
Até há muito pouco tempo, em Angola, havia ainda muito medo de falar destes acontecimentos. Hoje, começa a falar-se disso muito por responsabilidade da associação dos filhos, irmãos, maridos e esposas das vítimas - a Associação 27 de maio de 1977.
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As famílias não exigem muito. Exigem saber o que aconteceu de facto aos seus entes queridos e se possível saber dos seus corpos. Exigem a verdade para que possam ficar finalmente em paz.
Infelizmente o tempo do Maio de 77 não é passado.
Cabinda está sitiada, em permanência. Ninguém pode ousar manifestar-se, pensar por si, falar livremente, conversar na rua. O preço disso é muito alto.
Logo os algozes do SIC se apressam a cercar, intimidar, bater, prender, torturar.. e até mais e mais grave. Tudo com o acordo e cumplicidade da Justiça, dos Governadores e do Governo Central de Luanda. A repressão continua em Cabinda como era em 77. O sufoco vive-se a cada dia naquele enclave.
No sábado passado, uma conferência sobre a Paz, num local privado e organizado por duas ONG insuspeitas, a Omunga e a ADCDH - Associação para o Desenvolvimento da Cultura e Direitos Humanos. Foram impedidas de realizar o encontro. Os oradores eram gente de paz e direitos humanos: um advogado e antigo prisioneiro de consciência da Amnistia Internacional, Arão Bula Tempo, um sacerdote católico, o padre Celestino Epalanga e um pastor da Igreja Baptista, o reverendo Daniel Ntongi-Nzinga, ativista de construção de paz.
Foram impedidos de se reunir, tendo as autoridades bloqueado a entrada no hotel onde se ia realizar, justificando-se com "ordens superiores", essa expressão tão antiga, tão ignóbil.
Antes deste episódio, no mês passado a 9 de abril e também em Cabinda, 26 jovens foram presos arbitrariamente apenas porque estavam a planear uma marcha para exigir a libertação de prisioneiros políticos. Todos acabaram por ser libertados, ainda que os dois organizadores tenham sido condenados e obrigados a pagar multas.
Infelizmente, tudo aponta para que nas próximas semanas e nos próximos meses mais histórias de repressão à liberdade de expressão aconteçam em Cabinda. Ou não estivéssemos em ano de eleições naquele país.
A liberdade de reunião pacífica, consagrada na Constituição angolana, e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, da qual o país é um Estado signatário, continuarão a não ser cumpridos.
Angola, quando vais respirar?