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É habitual em todas as guerras: "mesmo quando se está do que se pensa ser o lado certo da História, a generalização xenófoba vem sempre ao de cima". No caso da guerra na Ucrânia, "afloraram-se por essa Europa, sinais de russofobia", aponta Daniel Oliveira.
"Este clima instalou-se, naturalizou-se, e mais de um ano depois da guerra, coisas impensáveis são tratadas como normais." É o caso da demissão do antigo diretor do Centro de Estudos Russos, Vladimir Pliassov, que viu o seu vínculo à Universidade de Coimbra terminado na sequência de acusações de "propaganda russa", considera o jornalista no seu espaço de opinião semanal na antena da TSF.
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Depois de dois ucranianos terem publicado num jornal local um artigo sobre este professor russo, que vive em Portugal desde 1988, o artigo foi citado na SIC pelo comentador José Milhazes e republicado no Observador. Vladimir Pliassov foi acusado de manter "ligações aos serviços secretos de Moscovo" e "as provas apresentadas são fotografias do professor no Kremlin em 2017, com centenas de pessoas a ouvir um discurso do Presidente do país; uma fotografia no centro de estudos com caras de dezenas de escritores russos, alguns apoiantes da invasão; símbolos nacionais russos proibidos em países com justificáveis más relações com a Rússia, referências à Igreja russa; e fotos de regiões de maioria russófona na Ucrânia."
"Nenhuma destas coisas faz deste professor espião ou sequer agente de Putin", aponta Daniel Oliveira. "Independentemente das posições do professor em relação à invasão russa, que provavelmente serão semelhantes à da maioria dos russos".
O caso não foi investigado, não foi dada oportunidade ao acusado de se defender, e os alunos de inquiridos pelo jornal Público negaram que Vladimir Pliassov difundisse propaganda nas aulas. No entanto, "o reitor Amílcar Falcão demitiu o professor na manhã seguinte, como se fosse proprietário de uma universidade com séculos de existência", condena Daniel Oliveira.
Para o comentador, "há uma tentativa de importar uma caça às bruxas por delito de opinião, que até se pode perceber num país em guerra, mas é impensável em Portugal". "Portugal apoia, e bem a resistência ucraniana, mas não está - nem ela nem a aliança militar a que pertence - em guerra", lembra.
E "mesmo que estas pessoas apoiassem a Rússia, a sua voz não podia ser suprimida", defende Daniel Oliveira. "Quando a exclusão ideológica chega à academia, preparemos-mos para o pior."
"Houve um tempo em que os reitores afastavam professores por delito de opinião. Esse tempo acabou em Portugal há meio século, perdurando a Rússia de Putin, a que os ucranianos heroicamente resistem".
Em Portugal, o "autoritarismo expedito do reitor não tem lugar", destaca Daniel Oliveira, citando o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa: "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas."
É proeciso repor a "legalidade democrática" na Universidade de Coimbra, apela Daniel Oliveira. E lembra: "É exatamente por ela que combatemos os Vladimir Putin deste mundo".