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Esta é a minha primeira crónica aqui na TSF. É o regresso à rádio, o que me deixa particularmente feliz. Começo por Gaza e a paz anunciada por Trump. Milhares de mortos depois, numa guerra que não deveria ter sequer acontecido.
Há perguntas que ainda não têm resposta. Como é que Israel não percebeu que o Hamas se preparava para um ataque com a dimensão daquele que aconteceu no dia 7? Será plausível que o país que se gaba de ter os melhores serviços secretos do mundo tenha sido iludido pelos terroristas que conseguiram esconder todos os sinais de uma ação gigantesca coordenada numa cidade de túneis, com parapentes, centenas de carros e motas, que envolveu umas largas centenas de operacionais?
Percebo que não se queira responder a esta questão. Mas a opinião pública em Telavive não é meiga e vai querer mesmo saber tudo. A pergunta está a ser feita de forma insistente e Netanyau não tem margem para continuar a fugir ao assunto.
No terreno, parou a guerra. Volta a chegar ajuda humanitária, mas Gaza está completamente destruída. Os reféns voltaram a casa, os que sobreviveram a um cativeiro terrível. Elas, as famílias, foram também vítimas desta guerra que se arrastou dolorosamente no tempo, causando uma dor insuportável.
O mundo seguiu tudo isto, parecendo não querer ver o que acontecia e acontece ali. Sem meios para parar tudo aquilo. A Europa, diria vergonhosamente, não se entendeu para nada. Nem sequer para uma pressão diplomática séria que levasse à negociação do fim do conflito, ou para uma condenação do genocídio em curso, ao longo de quase dois anos. Isto é impensável num mundo que se diz civilizado.
Acaba por ser Trump a brilhar no meio deste caos e a fazer uma cimeira impensável no Egito. Tem esse mérito. Só ele poderia levar Israel a parar a guerra e acabou por ter também influência sobre o Catar para amarrar o Hamas a um entendimento difícil. Os países árabes da região entenderam-se e têm, agora, um forte papel no futuro, limitando as ações de Israel.
Seriamente, ninguém pode dizer que sabe qual é o futuro de Gaza, mas a guerra acabou e isso já é uma coisa notável. A chamada comunidade internacional mostra que não se entende sem os ímpetos de Trump, mas percebemos que o xadrez mundial não se joga sem a China e as grandes potências do Golfo. A Rússia mantém-se no tabuleiro, mas a Casa Branca volta-se agora para a Ucrânia, onde prometia acabar com a guerra em 24 horas. Putin e Trump estarão no centro do que vai acontecer a seguir. Com Pequim, na sombra, a procurar resolver outras guerras, também neste momento. A Europa não entra neste jogo. As Nações Unidas limitam-se a aplaudir os processos de paz, que não tem qualquer capacidade de liderar.
Para Trump, parece ser importante acabar com os conflitos, mesmo sem soluções para o day after. Isso o tempo deverá resolver… ou talvez não. A aparente pacificação é frágil, com demasiados compromissos verbais, sem soluções sérias, mas calar as armas nestes dois conflitos, milhões de mortos depois, será já uma coisa notável.