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Decorre por estes dias em Nairobi no Quénia (04/07 Set.), a primeira Iniciativa dos Mercados de Carbono em África (Africa Carbon Markets Initiative - ACMI, no título original), cujo primeiro retorno dos participantes no dia inaugural, segunda-feira 4, foi de entusiasmo pelos milhões de dólares que esta iniciativa prospectiva para as lideranças africanas. Antes de começar, os Emirados Árabes Unidos (EAU) já tinham anunciado a compra de 450 milhões de dólares de crédito de carbono, neste novo mercado emergente em África.
De que se trata exactamente este mercado/negócio?
Lançado na Cimeira do ano passado, Egipto COP27, trata-se de uma troca simples entre pagar para poluir ainda mais, pagando com investimentos no ambiente, plantando árvores e/ou desenvolvendo projectos em energias renováveis. Trata-se do princípio do "poluidor pagador", quando os críticos desta solução invocam a "dívida climática" dos países mais ricos e dos grandes conglomerados empresariais, as "corporations nos filmes". Quem é contra a ACMI é sobretudo contra a forma de retorno que prevê um investimento ambiental, preferindo que fosse em compensações directas e no alívio da dívida externa dos países envolvidos.
Há em todo este processo o que podemos apelidar de "subversão da subversão", no sentido em que o modelo de negócio apresentado pela ACMI envolve montantes que obrigam/constrangem os africanos em não poderem optar por outra solução. Os números são de facto imbatíveis e a título de exemplo, aqui ficam alguns "dados subversivos":
Os 450 milhões dos EAU (Blue Carbon) terão destino na Tanzânia e na Libéria, para conservação de recursos naturais;
O Rawbank, um dos maiores credores da República Democrática do Congo e a Vitol VITOLV.UL, um dos grandes no comércio global de energia, vão comprar 20 milhões de dólares de créditos a aplicar em "cozinha limpa" e conservação florestal no Congo democrático;
Os britânicos anunciaram 49 milhões de libras ($62M), para projectos sem os especificar e a Alemanha trocou 60 milhões de euros de dívida com o Quénia, para lhe libertar dinheiro e investirem (os quenianos) em energias renováveis e agricultura sustentável;
Por último, o Climat Asset Management, uma "joint venture" entre o HSBC Asset Management e a Pollination, uma Consultora
especialista em "investimentos de mudança climática", anunciaram a compra de 200 milhões de dólares deste crédito, sem especificarem projectos ou destinos.
"O algodão não engana", estes números falam por si e "encostam os africanos às cordas"! Sobre este debate do "poluidor pagador" versus "dívida climática" e toda a retórica pró e contra as evidências do urso polar isolado na ilha de gelo que derrete ao ritmo da calote, sobressalta-me sempre uma dúvida. Mas afinal não respiramos todos o mesmo ar? Não estamos "todos no mesmo barco", antes "todos na mesma nave espacial"!
A Acontecer / A Acompanhar
- 8 de Setembro, Festival Fado-Maroc, 20h, Théâtre National Mohammed V, Rabat-Marrocos. Com Cristina Branco e Bernardo Couto
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia
