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A Joana é uma jovem com 14 anos e por isso é inundada com questões que lhe perguntam o que quer seguir. Há dias, num encontro com outros jovens fez um desabafo que veio lá do fundo do seu interior e dos seus pensamentos que gritam Ipiranga à hipocrisia. A Joana está sem esperança e este alerta dela, convém chegar a muita gente. Passo a ler a sua carta e cito:
"Dizem-me que sou indecisa porque não sei que área escolher,
Mas às vezes pergunto-me: porque é que tenho de escolher?
A verdade é que não vale a pena, não existe futuro para mim, ou para algum dos jovens aqui presentes.
Estou farta que finjam que ainda há esperança, que ainda temos tempo e que só temos de agir.
[...]
Como é que é suposto eu acreditar no meu futuro, se aqueles que me deviam proteger são os mesmo que perpetuam um sistema que contribui para a destruição?
Estou cansada de ouvir adultos a dizerem-me para reciclar.
Estou cansada de ver adultos a reunirem-se sem chegarem a alguma conclusão.
É muito fácil dizer que é preciso mudar, mas para mudar é preciso agir.
Não quero ser mais uma rapariga revoltada a culpar os adultos, sei que também faço parte do problema.
Mas a verdade é que para além de cansada também estou assustada.
É difícil ver o meu futuro ser apagado pelo egoísmo de outros.
Espero que esta minha vulnerabilidade vos faça pensar."
Fim de citação.
Um ativismo e uma forma de fazer política que só fala de problemas, só reclama, em que tudo é mau e não há soluções está a matar-nos antes de tempo. Por outro lado, uma forma de exercer governo e poder, como o que vimos no debate do Estado da Nação, em que tudo é pintado como maravilhoso e estando a ir bem - quando vemos que não - ficamos a saber que estamos a ser guiados por pessoas que não conhecem a realidade, que assobiam para o lado ou que só falam para agradar a quem vota neles e assim se manterem no poder sem realmente terem a coragem de fazer a mudança acontecer e implementar as soluções que são necessárias, porque nem sequer reconhecem que há problemas.
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Temos de falar dos problemas, para depois lhes desenhar soluções que os resolvam. A questão é que muitas vezes ficamo-nos pelos problemas, pelas desgraças, e não avançamos para a esperança, para a certeza das soluções.
A Amnistia Internacional lançou estes dias uma nova campanha global a que em Portugal chamaremos "Proteger a Liberdade". Ela versará sobre um mundo a fechar-se, a não permitir a liberdade de expressão e de manifestação, um envolvimento cívico maduro e consequente, um jornalismo livre de pressões e de falta de meios, um ativismo positivo e responsável. Um diálogo aberto e livre onde todos possamos debater e fazer parte das soluções, da esperança, da certeza.
Em Portugal, quase a chegarmos aos 50 anos da liberdade de Abril, a carta da Joana mostra-nos que temos tanto ainda a fazer para proteger a liberdade, para defender o nosso futuro.
Os jovens como a Joana, já estão fartos de ouvir os problemas. Os pobres já estão fartos de viver a pobreza. As pessoas que são discriminadas já estão fartas de sofrer a discriminação, os reclusos já estão fartos de um mundo que já não conta com eles e não os quer por mais que paguem pelos seus crimes. Os idosos já estão fartos de viver esquecidos, as pessoas sem casa, já estão fartas de procurar por uma.
O que estas pessoas precisam, o que todos precisamos é de nos virarmos para as soluções, de sermos incluídos quando elas são desenhadas e implementadas. É de não ficarmos, como de costume, de fora. A democracia, ainda que representativa, tem de ser mais participativa.
Joana, sei que não sabes o que queres seguir e estudar, sei que hoje a tua resposta à hipocrisia é não teres esperança. Mas para que o mundo não acabe, precisa urgentemente de ti, de mim, de nós. A tua honestidade é muito importante e precisa de ser ouvida para que, de uma vez por todas, estejamos de mangas arregaçadas. Não quero ser mais um adulto a dizer o que deves fazer, mas peço-te uma perspetiva: escolhas o que escolheres para o teu futuro, escolhe o lado mais difícil: o de pensar as soluções. Escolhe ideias sólidas e pragmáticas que, dia-a-dia e todos os dias, tornem o mundo mais respeitador de direitos humanos e mais sustentável.
Mudar o mundo não se faz numa manhã, faz-se toda a vida. E, tens razão, não se muda apenas por palavras, mas por ações. É tarefa grande, porventura uma das maiores e mais trabalhosas.
Compreendo o teu medo - também os tenho - mas tenta escolher a esperança, e mais do que isso, escolhe a certeza de um mundo com futuro, com vida. Uma coisa te garanto: eu, adulto, também faço essa escolha, todos os dias, e outros como eu, com esforço e talvez alguma imprecisão, para que o mundo não acabe.
