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"Ninguém abandona a sua casa a não ser que
A sua casa seja a boca de um tubarão
Tu só corres para a fronteira
Quando vês a cidade inteira correr também
Os teus vizinhos a correr mais rápido do que tu
A respiração ensanguentada nas gargantas
O rapaz com quem ias à escola
Que [...] Carrega uma arma maior do que o seu corpo
Só deixas a tua casa
Quando a tua casa não te deixa ficar
Tens de entender
Que ninguém põe os seus filhos num barco
A menos que a água seja mais segura do que a terra."
É desta forma tão crua e direta que Warsan Shire, no seu poema "Casa", nos mostra que refugiados são pessoas como nós, mas que não tiveram escolha e por isso largaram tudo em busca de sobrevivência.
Nenhum pai, nenhuma mãe, mete o seu filho num barco para que ele perca a vida. Nenhum pai, nenhuma mãe arrisca tanto se não em desespero.
E mesmo assim, o Mediterrâneo, nos últimos anos, tem sido um cemitério.
As mortes de pessoas a tentar atravessar o Mediterrâneo são uma tristeza que nos ensombra. Saber que estas mortes são evitáveis é uma raiva que nos cansa.
Para as evitar, bastaria que muitos agentes da Frontex percebessem que o seu papel é proteger as pessoas e não persegui-las e torturá-las.
Bastaria as lideranças políticas europeias deixarem de pagar e ordenar pullbacks e pushbacks que puxam e empurram pessoas para o meio do mar sem sequer poderem ter a palavra de apresentar as suas razões, de pedir asilo ou proteção.
Bastaria que essas mesmas lideranças políticas criassem rotas legais e seguras para que estas pessoas se tiverem de fugir, não o façam em embarcações a transbordar de gente ou sem combustível ou sem ar na fragilidade dos barcos de borracha.
Bastaria criarem condições de acolhimento e procedimentos de análise de pedidos de asilo que sejam eficazes, eficientes e rápidos, em vez de demorar anos e anos de desespero e impasse.
Bastaria que essas mesmas lideranças políticas criassem condições para que quando as pessoas ficam cá, as integrassem efetivamente para que elas possam recomeçar a sua vida e colaborar na construção dos nossos países o mais rapidamente possível, assim como nós portugueses migrantes também ajudámos os outros lá por fora.
Bastaria deixarem de ser hipócritas e olharem a diplomacia como ferramenta que exige cumprimento de direitos humanos para que as razões de fuga e de guerras sejam cada vez menos.
Basta, ou bastaria, que olhassem de frente a vida humana e a sua dignidade.
E agirem em sua defesa.