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A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), reuniu-se na passada sexta 18 em Accra, a capital do Gana. A grande conclusão foi a apresentação de uma declaração em dois actos, cujo primeiro diz, "estamos (a CEDEAO) prontos para intervir" e no segundo acto, "a data para a intervenção está definida", sem naturalmente a revelar. Por outro lado, no dia 18 decidiu-se que uma missão desta Comunidade deveria partir no dia seguinte para Niamey, capital do Níger, para finalmente tentar ser recebida pelo "golpista-mor", General Tchiani, bem como para se inteirar sobre o estado de saúde e as condições de detenção do Presidente deposto, Mohamed Bazoum.
Quanto ao "estarem prontos para intervir", dos 11 membros operacionais (são 15, mas Mali, Burquina Faso, República da Guiné e agora Níger estão suspensos), apenas Cabo-Verde se colocou à parte desta vontade bélica, não participando nesta eventual frente, a acontecer. Digo eventual, já que mantenho sólidas dúvidas sobre a capacidade/viabilidade desta operação, por várias razões de ordens. Primeiro, haverá mesmo vontade e capacidade destes 10 se coordenarem a partir do "Dia D"? Que material bélico têm disponível e operacional para avançarem? Da região, as notícias que chegam é de falta de munições, de patrulhamentos de carregadores vazios, sem que a população o saiba (o que convém, na realidade).
Por outro lado, divulgar que "a data para a intervenção está definida", sem a revelar, terá dois objectivos, um mais óbvio e outro mais defensivo. O mais óbvio, tem a ver com a lógica de manter o factor surpresa do lado de quem ataca. Aliás, só se anuncia o dia do ataque, quando se tem a garantia que a CNN e a Al-Jazeera transmitirão o acontecimento em directo e que isso lhes será benéfico (aos militares)! O objectivo mais defensivo, serve para defesa da própria CEDEAO, no sentido em que não pode voltar a perder a face, como aconteceu a 30 de Julho, o domingo limite após o golpe de 26. Atabalhoadamente, a CEDEAO impôs um prazo de 4 dias para o regresso do país à constitucionalidade, ameaçando intervir militarmente. Foram ignorados, tudo ficou na mesma e começaram por perder a face, ao ameaçarem utilizar a "Bomba Atómica". É a partir daqui que a opção intervenção militar ficou em cima da mesa, reflectindo o nervosismo do Presidente em exercício, Bola Tinubu, também Presidente da Nigéria. Não revelando a "data explosiva", podem sempre jogar com a mesma de negociação em negociação e, caso não haja "explosão", nunca perderão a face de novo, podendo mesmo invocar ter sido essencial para o desfecho esta manobra astuta.
Quanto à missão CEDEAO de sábado a Niamey, ao contrário da de 03 de Agosto, conseguiu finalmente falar pessoalmente com o novo "homem-forte" do regime, o General Tchiani e também conseguiu confirmar a moral elevada do Presidente deposto Mohamed Bazoum, ainda detido no Palácio Presidencial e já oficialmente acusado de traição. Este trata-se de outro avanço golpista no papel, enquanto a CEDEAO saltita de reunião em reunião a discutir um provável bluff, o da intervenção militar. Outros avanços registados ao longo de Agosto, foi a nomeação de um Governo Interino com Ali Mahaman Lamine Zeine enquanto Primeiro-Ministro, o qual até já se deslocou ao vizinho Chade (país Observador da CEDEAO e não pleno membro), onde recolheu o apoio do seu Presidente (também Interino) Mahamat Idriss Déby Itno. Mais tarde, Tchiani apareceu na televisão local a garantir que o período de transição não ultrapassará os 3 anos.
Creio pois, ter sido o líder da Frente Patriótica para a Justiça e Desenvolvimento do Níger, o General Tchiani, a definir o tal "Dia D", dando-lhe um prazo de 3 anos! Porquê? Porque pode repetir-se com o Níger, mais ou menos o que aconteceu aquando golpe no Mali, sem a ameaça de intervenção militar. A Junta começou por definir 5 anos para o processo de transição, o que manifestamente não agradou à CEDEAO. Já este ano a Junta confirmou 2 anos para a transição, o que agradou finalmente à Comunidade sub-regional. Para um golpe que aconteceu em Agosto de 2020, a Junta manteve os seus 5 anos iniciais e a CEDEAO não perdeu a face! Muito provavelmente será isto que irá acontecer no Níger, havendo agora duas datas, uma desconhecida da CEDEAO e outra com prazo de 3 anos. É possível que este detalhe refreie, entretanto, os ânimos e a ameaça de intervenção militar passe a diluir-se com o passar do tempo.
Entretanto, começam a adensar-se suspeitas e alguns comportamentos do ex-Presidente do Níger Mahamadou Issoufou que levantam a dúvida sobre se o mesmo não será, de facto, o mentor do golpe. Na verdade, Issoufou tem dias que defende o regresso de Bazoum à Presidência e outros em que se lança nos braços do General Tchiani. A confirmar-se esta mentoria, poderá tratar-se de novo dado que venha dar uma nova dimensão a este braço-de-ferro político.
A Acontecer / A Acompanhar
- 21 e 22 de Agosto, XLVI Reunião dos Pontos Focais de Cooperação da CPLP, São Tomé e Príncipe;
- 27 de Agosto, XIV Conferência de Chefes-de-Estado e de Governo da CPLP, em São Tomé e Príncipe, país que assumirá a Presidência da Comunidade, para o biénio 2023-25, sob o mote/tema "Juventude e Sustentabilidade";
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
