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As imagens de Ceuta são mesmo avassaladoras. E são por um conjunto de razões. Pelo número de pessoas que tentou chegar a este território espanhol no outro lado do Mediterrâneo. Pelo modo como foram acantonados pelas autoridades policiais. Mas, também pelos gestos de humanidade como aquele de uma trabalhadora da Cruz Vermelha a consolar, a confortar um ser humano desesperado, em lágrimas.
Para nós, portugueses, é quase imediata a associação entre Ceuta e aquela data que aprendemos na escola e que marca o início da expansão de Portugal: 1415. É também uma data que eu utilizo muito para demonstrar aos meus alunos que nesses e em todos os tempos como o mundo «não estava parado» e, de facto, há mais a ter em conta nesse ano. No continente europeu temos a famosa batalha de Agincourt entre franceses e ingleses e na qual, pelas belíssimas palavras (como são sempre todas) de Shakespeare o rei Henrique V faz um discurso que é um hino à coragem e à perseverança mesmo contra todas as probabilidades.
Mas é sobretudo o ano no qual o grande almirante chinês Zheng He, da Dinastia Ming, fez não a primeira, mas a sua quarta viagem de aventura pelos Oceanos. Às vezes penso num registo claro de história virtual o que se teria seguido em termos de equilíbrio do poder mundial se a Dinastia Ming tivesse decidido continuar esta aventura marítima? A história é, sem dúvida, muito importante para percebermos a razão de ser de um território espanhol (um de dois) na outra margem desse Mar que já foi o centro do mundo nos tempos dos Romanos: o Mar Mediterrâneo.
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Desde logo, é verdade que a cidade de Ceuta está rodeada de medidas de segurança. Mas, tendo em conta os números, na ordem de vários milhares, como explicar o que se passa actualmente e o que tem sido vivido nesta cidade de Ceuta? No coração de tudo está uma vez mais a História, um protagonista em comum - Marrocos - embora relacionado com outro território: o Sahara Ocidental. Este território há muito que luta pela sua independência, na verdade desde 1975, face a Marrocos que defende a sua soberania sobre este Sahara Ocidental de forma intransigente.
Mas então qual é a relação, qual foi a alavanca para podermos relacionar Sahara Ocidental e Ceuta? Ora bem, Espanha concedeu um visto humanitário para que o líder do movimento independentista, Frente Polisário, pudesse ter acesso a cuidados médicos. E o que decidiu fazer Marrocos? A resposta foi esta e está à vista. E tenho a certeza que neste cálculo de Marrocos pesou e muito a leitura do factor "imigração" e como este tem tido impacto na vida política e eleitoral de Espanha.
Infelizmente, e como em tantas outras disputas no centro estão milhares de pessoas, de seres humanos, a sofrer e em lágrimas.