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A Islândia lidera os rankings mundiais de igualdade de género e este ano ocupou pela 14ª vez consecutiva a classificação do Fórum Económico Mundial. Quando esta semana convocaram uma greve de 24 horas (a maior desde 1975) para reivindicar igualdade de tratamento, muitas mulheres confrontaram-se nas redes sociais com a desvalorização das razões do protesto. Vista de fora, a Islândia parece o paraíso na matéria - e a necessidade de desconstruir essa falácia é a primeira evidência de quanto o protesto faz sentido.
Alguns números resumem tudo. Nalgumas profissões as islandesas ainda ganham menos 21% do que os homens na mesma função. E mais de 40% das mulheres já foram vítimas de violência sexual ou de género. Percentagens que aumentam quando se trata de pessoas não-binárias, que se juntaram à iniciativa que tem inspirado idênticas paralisações noutros pontos do mundo.
A Islândia tem a responsabilidade de garantir que corresponde "às expectativas" criadas pelas classificações e pela reputação à escala global, justificou uma das promotoras da greve. E esta é uma das afirmações que me parece a chave da forte mobilização. Não basta sentir que se vai na frente da corrida - é preciso completar todo o percurso. Não basta bater no peito cada vez que um indicador melhora - é preciso acelerar a mudança e insistir no que falta conquistar.
O que mais temos é exemplos de objetivos cuja conquista é demasiado lenta, por mais que se intensifique a discussão pública e se considere consensualizada a consciencialização sobre os problemas. Aliás, essa aquisição coletiva do que há a fazer cria muitas vezes a ilusão de que se está a trabalhar o suficiente. Nunca tivemos tantos instrumentos legais, programas públicos e recursos aplicados na luta contra a discriminação, e ainda assim a equidade e a igualdade de oportunidades continuam a ser uma miragem. A luta por direitos é tarefa sempre inacabada. Até no paraíso.