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Quando há cinco meses - antes das Legislativas -, alguém que conhece bem o CDS me disse que Francisco Rodrigues dos Santos ia ser o próximo presidente do partido, confesso que não acreditei. A viragem parecia-me demasiado radical, demasiado arriscada, demasiado desesperada. Mas, já se sabe: a desgraça de uns é quase sempre a felicidade de outros e a tragédia eleitoral do CDS - que era um desastre à beira de acontecer - era a peça que faltava ao Chicão para fazer cheque-mate.
A diabolização de que foi alvo, fez o resto. Há quem lhe aponte métodos de liderança quase ditatoriais, quem o acuse de lidar mal com a diferença de opinião, quem diga que é dissimulado na forma e vazio no conteúdo. Há quem o ache muito novo, imaturo, um betinho arrogante, financiado, sabe Deus por quem, com ideias perigosas. Há os que odeiam tudo o que ele representa, os que temem que ele seja a machadada final num partido que, já de si, não nutre grande saúde política e há, claro, os ressabiados. 'Chicão' alimentou-se de tudo isto. Quanto mais lhe batiam, mais acossada ficava a tribo que o segue e mais apoiantes conquistava para a causa.
E este é, para mim, o elemento mais relevante desta eleição. Que tipo de líder é Francisco Rodrigues dos Santos? A que amos serve? Qual é a causa que tem para o partido? Em que é que se consubstancia esta nova direita que promete? Que CDS é este que nasceu em Aveiro, no ano de 2020. Passada a campanha interna do partido, o que sabemos é menos do que quase nada. Mas há sinais que nos permitem começar a desenhar respostas para as perguntas que toda a gente, fora da bolha do Congresso, deve começar a fazer a partir de segunda-feira.
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A resposta à primeira pergunta é a mais fácil de dar. O profissionalismo com que Francisco Rodrigues dos Santos foi ganhando poder dentro do CDS e ocupando os espaços vazios até vencer o congresso do CDS, é a prova de que estamos perante um líder obcecado, metódico, capaz de construir exércitos leais e de decapitar politicamente os que lhe fugirem ao controlo, para dar o exemplo aos restantes. É um líder que podia ter sido programado por uma máquina que não deixou nada ao acaso: a forma como anda, como fala pausadamente, como olha para os seus interlocutores ou como fica compenetrado, em reflexão, quando alguém está a falar com ele. A forma apaixonada - e gritada - como discursa, cheio de frases feitas e soundbytes, mais ou menos vazios de conteúdo, mas que produzem um efeito nos que passam a vida à procura de alguém que os inspire. A forma como sorri, como beija e como cumprimenta tudo que o mexe à sua volta ou como não tem medo do toque, do abraço fraternal, mesmo a quem acabou de conhecer. O cuidado que tem em decorar o nome de toda a gente, tratar todos pelo nome e mandar mensagens de cortesia, como se cada um que se cruza com ele, fosse mais um putativo candidato a juntar-se à causa.
Saber a que amos serve, politicamente, também começa a ficar mais percetível, depois deste congresso. Francisco Rodrigues dos Santos, que chegou ao poder prometendo uma renovação do partido, acabou a fazer a síntese com as duas lideranças que mais combateram Paulo Portas no passado e que andavam há muitos anos na sombra: Manuel Monteiro e Ribeiro e Castro. Mas, mais do que isso, absorveu desde cedo a Tendência
Esperança e Movimento, a ala mais ultraconservadora do CDS, que anda há anos a tentar impor a sua superioridade moral a um país que nunca lhe prestou grande atenção e que agora, encontrou com Francisco Rodrigues dos Santos o espaço que nunca teve.
O que nos leva à causa - ou às causas - do novo líder. Onde fica a fronteira onde Francisco Rodrigues dos Santos quer construir o muro da direita? Quem fica dentro e quem fica de fora? E, sobretudo, que percentagem do eleitorado cabe neste espaço ainda indefinido? O discurso amaciado com que se apresentou no Congresso do CDS, tem, nas entrelinhas, alguns sinais preocupantes: a narrativa contra as elites e contra os poderes instalados e a vontade de falar diretamente para o eleitorado, sem filtros, intermediação ou contraditório da comunicação social, não fica a dever, em nada, à estratégia que colocou Donald Trump ou Jair Bolsonaro no poder. Ou André Ventura no Parlamento.
O líder do Chega terá alguns motivos para estar preocupado. A chegada de Francisco Rodrigues dos Santos coloca um novo player em jogo e pode mesmo ter o condão de travar o previsível crescimento eleitoral de André Ventura. Mas será isso suficiente para salvar o CDS e torná-lo, novamente, um partido relevante? Ou servirá para o acantonar ainda mais? Estará o PSD condenado a entender-se com esta "a nova direita", ainda que potencialmente mais radical e populista, se quiser aspirar a voltar ao poder?
Será 'Chicão' o bicho-papão ou o líder que o CDS precisa para se salvar da irrelevância? Depois deste congresso e desta eleição, Francisco Rodrigues dos Santos tem quase tudo para provar, exceto uma coisa: não é boa ideia substimá-lo. Porque os que o fizeram, acabaram todos derrotados.