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O objetivo do BCE e das principais instituições políticas e financeira de chegar aos 2% de inflação é "uma superstição cabalística dos economistas monetaristas, uma seita mais ideológica do que técnica", considera Daniel Oliveira.
No seu espaço de opinião na antena da TSF, o comentador recorda que Christine Lagarde "anunciou mais um aumento da taxa de juro", mas que "não está a funcionar".
"Quando se anuncia um crescimento inferior a 1% da Europa, como se pode falar de necessidade de arrefecer a economia europeia? Com uma inflação que resulta da guerra e da pandemia, que tem a sua origem na oferta e não na procura e que foi aproveitada para dilatar as margens de lucro, como poderia esta receita dar certo?", questiona, dizendo que "Lagarde lá vai continuar a tentar".
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"Talvez um dia peça desculpas, como fez quando dirigia o FMI e ajudou a destruir a economia dos países sem qualquer responsabilidade na crise bancária. Ou talvez não, porque se conseguir impor uma recessão à Europa, a inflação até pode ceder, mesmo se passarmos por um período de estagflação, que junta estagnação económica com subida de preços", afirma.
Daniel Oliveira critica os conselhos de administração dos bancos, que "abrem garrafas de champanhe sempre que a governadora dá uma conferência de imprensa". "Os portugueses, por exemplo, têm lucros diários de mais de 10 milhões só à boleia do BCE. Os cinco principais bancos em Portugal tiveram um aumento de 54% dos seus lucros só no primeiro semestre deste ano. O segundo semestre apresenta-se promissor para tragédia dos portugueses", defende.
"É bom pôr fim a uma fantasia", nota o jornalista.
Para o comentador, o Banco Central Europeu "não é uma estrutura técnica e independente". "É composta, sobretudo, por políticos de carreira, que não por acaso passaram pelo crivo do poder financeiro", refere, dando exemplos: "Vindo da falência do Lehman Brothers, onde fez uma pausa na sua carreira política, Luis de Guindos voltou ao Governo de Madrid para impor austeridade aos espanhóis em 2011. Sem qualquer experiência em política monetária, foi nomeado pelos governos do PPE para vice-presidente do BCE. A liderá-lo estava Lagarde, com carreira num dos maiores escritórios de advogados corporativos do mundo e em governos da direita francesa, onde impôs a austeridade aos serviços públicos. Apesar de não ter formação económica, presidiu o FMI e acabou pelas mesmas razões que de Guindos à frente do BCE."
Daniel Oliveira sublinha que o BCE "é tão pouco político e tão pouco independente, tal como os bancos centrais sempre foram". "Só que, em vez de responder aos governantes que respondem perante o povo, respondem ao poder financeiro que não responde perante ninguém. A convicção de que o BCE seria mais irresponsável se dependesse do poder político vem de quem sempre desconfiou das virtudes corretivas da democracia e é negada pelo que assistimos neste momento."
O jornalista volta a questionar: "Querem maior irresponsabilidade do que impor uma crise económica a um continente em guerra?"
Mesmo assim, "com sentido político apurado", o BCE "não responde aos problemas de todos os Estados da mesma forma", indica Daniel Oliveira. "Para a Alemanha, a subida de taxas de juro é um problema económico, para Portugal, onde as taxas variáveis indexadas à Euribor têm um peso significativo, é uma tragédia social, para a qual o BCE se está obviamente nas tintas - mas esse é outro debate, o de acharmos que prescindir da soberania monetária não é prescindir da capacidade de termos qualquer coisa a dizer sobre o nosso futuro", atira.
O comentador refere que o Governo vai avançar com medidas que "permitem aos devedores dispersar o aumento das taxas de juro no tempo, sem que haja um incidente de crédito", algo que "reduz o sufoco durante dois anos, curiosamente, até às próximas eleições legislativas, mas sobrecarrega as famílias por mais tempo, transferindo o dinheiro do seu trabalho para um aumento exponencial dos lucros bancários".
"A principal preocupação de Fernando Medina foi, além de não ter custos para o Estado, não beliscar este extraordinário momento para a banca. Mesmo assim, as notícias dão nota de resistências do Banco de Portugal, porque se não se reduz o rendimento disponível das famílias, o aumento das taxas de juro não cumpre integralmente a sua função: a de deixar mais pobres e, quando a inflação incide com especial intensidade nos bens essenciais, reduzir o consumo", assinala Daniel Oliveira, considerando que "são precisos apoios diretos a quem tem salários baixos e médios e taxas altas de esforço para pagar a primeira habitação permanente e não medidas que deixam as famílias mais vergadas ao peso das suas dívidas por mais tempo".
No entanto, "há um problema", reconhece Daniel Oliveira. "Como estes apoios servem para cobrir o aumento das taxas de juro, é dinheiro de contribuintes em dificuldades que seria entregue a bancos com recordes históricos de lucro."
"Quando as coisas nos correm mal por culpa própria, pagamos, quando nos correm bem, sem qualquer mérito seu, também pagamos. Só há uma forma de o Estado apoiar realmente as famílias sem financiar um lucro bancário que as decisões do BCE lhe estão a garantir: o apoio a quem tem que pagar. A prestação da casa deve ser financiada pela taxação extraordinária aos lucros da banca, simulando, de forma seletiva, uma descida das taxas de juro para quem está a pagar prestações incomportáveis", remata.
Texto redigido por Carolina Quaresma