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É perfeitamente natural que, perante um resultado eleitoral tão duro, o ânimo de militantes e dirigentes num Congresso esteja exaltado, preocupado, ansioso.
Mas precisamente porque o resultado foi muito duro, e porque o país está a olhar para o CDS para ver como reage, o que diz, o que quer ser, como quem quer saber se ainda valemos a pena, há três riscos que o partido não deveria correr neste Congresso, venham de que candidaturas vierem.
Primeiro: o de se presumir que há militante sou dirigentes ou candidatos que são mais CDS do que outros, que são mais fiéis ao CDS do que outros, que são mais dignos representantes do CDS do que outros.
Haverá com certeza espaço para divergências políticas e de estratégia, e é disso que se faz um Congresso. Mas não deveria haver espaço para aquilo que já entrou no debate interno, que é a de averiguar o estado de pureza de militantes e dirigentes, procurando fazer escalas de amor ou bom comportamento ou fidelidade aos valores fundacionais do CDS (que, nessa conversa, nunca ninguém diz quais são, porque assim tem mais efeito). E sim, esse debate já existe, por muito que se fale de união e de que cabemos todos: como podemos caber todos se uns são acusados de desvio, cobardia, vergonha quanto aos nossos valores?
A consequência desse debate é só uma: fechar o partido sobre si mesmo, mostrar ao país que nem todos são bem-vindos, enovelar o partido em discussões identitárias incompreensíveis para os eleitores. Não pode correr bem se formos por aí.
Segundo: achar que os resultados se deveram a uma só causa, uma causa fácil de identificar e explicar, bastando para o efeito fazer uma ruptura com essa causa para que tudo funcione.
4% não se explicam com uma única causa, e há muito pouca gente a fazer análises sérias dos resultados. Não basta repetir que eles foram péssimos e depois justificar com um só motivo que é o motivo que convém ao discurso. Não se chega aos 4% sem um conjunto complexo de causas e desconfio sempre de quem justifica coisas complexas com razões muito simples.
Entre essas razões simples está a ideia (que corre no CDS mas que o país não reconhece nem poderia como) que os 4% se devem ao facto de o CDS se ter liberalizado em matéria de costumes.
Exacto: há quem ache que o partido que votou contra as barrigas de aluguer, contra a co-adopção, contra a procriação medicamente assistida, contra a canábis, contra a eutanásia e contra a possibilidade de uma mulher se poder casar segunda vez no mesmo prazo do que um homem (sim, isto aconteceu) foi um partido que se mostrou leviano, desviados de valores, um relativista.
Essa narrativa é falsa, é perigosa e pode ser fatal. Falsa porque com esse histórico de votação ela não pode sustentar-se. Perigosa porque querer reforçar ainda mais a veia conservadora do CDS só pode transformar o partido num partido reacionário (já não conservador). Fatal porque nem o eleitorado conservador admite que haja um partido a arrogar-se a superioridade moral de falar pelos seus valores. O eleitorado tem os seus, sabe quais são, e um dia vai prestar contas a Deus, não aos dirigentes do CDS. Centrar nisso a mudança de vida do CDS é o fim do partido e o começo de outra coisa qualquer.
Terceiro: entrar num debate que evidencie inadaptação à contemporaneidade, como se o Mundo, os valores da nossa sociedade, a forma como os jovens vivem e as suas prioridades, fosse algo que não queremos aceitar.
O CDS cresceu para os dois dígitos quando se assumiu como a direita contemporânea, ampla, que coloca o seu património ideológico ao serviço das preocupações contemporâneas das pessoas. Não se trata de andar à procura de ideias para os votos. Pelo contrário: trata-se de procurar no nosso património as soluções para os problemas, e não andar à criar problemas para vender as nossas soluções.
Vai ser um Congresso duro, sim. Mas não tem de ser um Congresso feito de divisões e segregações e acusações. Estamos num momento dificílimo, sim. Para sairmos dele, precisamos de todos. E para sairmos em condições não podemos partir de narrativas artificiais.