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Daniel Oliveira, ouvido na manhã da TSF, propõe-se comentar "as escolhas que o PSD está a fazer neste momento".
A análise do jornalista é, numa primeira instância, de que a ideia que a comunicação social constrói sobre o líder social-democrata pode não ser a mais fidedigna. "Quem acompanhe o PSD pela comunicação social imaginará que Rui Rio é um homem isolado e sem partido. Quem vê o resultado percebe que ele não venceu logo à primeira por décimas e confirma que Rui Rio tem má imprensa."
"Independentemente das razões de queixa dos jornalistas, a má imprensa é sempre culpa da imprensa, porque não é suposto a imprensa ser má ou ser boa com políticos", argumenta o comentador.
No entanto, Daniel Oliveira salienta que "o debate do PSD tem sido resumido ao perfil do líder e aos entendimentos com o Partido Socialista", o que parece "curto" ao jornalista, que ainda assim consegue "escavar" para "chegar aos grandes problemas que o PSD tem que enfrentar".
E para este problema de posicionamento político contribui mais do que uma variável, como explica o cronista neste espaço de opinião da TSF. "A crise que o PSD vive, na minha opinião, não é uma crise passageira. É uma crise estrutural que tem que ver com a reorganização do sistema partidário em toda a Europa, e que o PSD enfrenta agora, mais tarde do que outros partidos de centro-direita."
O PSD é um partido em forma de assim, como diria O'Neill, e isso serviu num determinado período histórico.
Daniel Oliveira enumera assim os "três problemas" com que o PSD se debate. Em primeiro lugar, enuncia o jornalista, "em 2015, [o PSD] perdeu o eleitorado mais velho e a classe média-baixa, porque foram os mais maltratados durante o período da troika, e, em 2019, não recuperou esse eleitorado". Mesmo as "poucas recuperações que teve não parecem ter sido junto desses eleitores, sem os quais é muito difícil um partido de centro-direita sobreviver", refere ainda.
Outra perda deu-se "nos principais centros urbanos, sobretudo em Lisboa e no Porto, e sem este eleitorado é difícil um partido conquistar maiorias", prossegue o cronista.
Existe ainda uma questão de fundo, de acordo com Daniel Oliveira: é que "a direita está a reorganizar-se com o surgimento de novos partidos, pequenos por enquanto, à direita, o que obriga o PSD a fazer uma coisa que nunca fez, que é posicionar-se ideologicamente".
O recurso à literatura e à metáfora serve para ilustrar o obsoleto. "O PSD é um partido em forma de assim, como diria O'Neill, e isso serviu num determinado período histórico", argumenta Daniel Oliveira, que acrescenta ainda que "é difícil" que este continue a servir.
O jornalista vê hoje, portanto, esta força política como "um partido sem personalidade ideológica, sem identidade política". E o jornalista Nuno Domingues lembra: dos três candidatos à liderança dos sociais-democratas, nenhum assumiu esta reforma de base como uma prioridade. "Não assumem, mas está lá. Não está em todos mas está lá", responde Daniel Oliveira.
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"Nada disto tem sido falado de forma clara dentro do PSD, só indiretamente quando se fala, por exemplo, dos entendimentos com o Partido Socialista e com o Chega", exemplifica também. "Ou seja, está lá, mas não está de forma explícita, porque [os candidatos] têm uma espécie de aversão a qualquer tipo de debate ideológico", mas Daniel Oliveira acredita que "é possível perceber isto mais em Luís Montenegro do que em Rui Rio".
É "evidente" para o jornalista que Luís Montenegro almeja um regresso ao "Passismo", e esta leitura prende-se sobretudo com os "rostos que gravitam em seu torno".
O PSD perdeu a narrativa de que salvou o país.
Contudo, esta não seria uma receita desejável para o PSD, conforme alega Daniel Oliveira. Pelo contrário: "Para recuperar o que perdeu, o PSD tem de superar o Passismo, muito ligado a um momento que as pessoas sentiram como muito negativo, justa ou injustamente - eu acho que justamente."
"O PSD perdeu a narrativa de que salvou o país, e a ideia de que a constrói agora é absurda. É uma ideia sem possibilidades de sucesso", declara o cronista, "até porque Passos Coelho não se limitou a aplicar o que a troika impôs; defendeu-o antes, no projeto de revisão constitucional que apresentou ainda antes desta intervenção da troika, e depois, quando, por exemplo, defendeu cortes de 400 milhões na Segurança Social, já a troika tinha saído daqui".
O programa de Rui Rio é ele próprio. Ele acha que chega.
Esta intenção de retomar o caminho aberto por Passos Coelho demonstra um segundo ponto. "A segunda característica de Montenegro, apesar de não explícita, é uma evidência de que pretende radicalizar o partido, aliás, como Passos Coelho fez." Na altura, todavia, deu-se, para Daniel Oliveira, "um desvio ideológico no PSD". Seguir este trilho novamente poderia significar, por isso, "entregar os moderados ao Partido Socialista, e transformar o PS numa espécie de partido-charneira do regime".
Do outro lado na corrida os objetivos, à lupa de Daniel Oliveira, são menos óbvios: "Eu acho que Rui Rio não é claro em nada disso. Aliás, eu tenho a sensação de que o programa de Rui Rio é ele próprio. Ele acha que chega. As suas idiossincrasias, as suas embirrações, os seus gostos não têm propriamente uma linha compreensível." O jornalista frisa que, apesar de tudo, Rio traz uma vantagem para o PSD, porque nada lhe fará de "fatal".
Mas Daniel Oliveira acredita que esta não será a "Crónica de uma Morte Anunciada", como escreveu o também jornalista Gabriel García Márquez, já que "há um instinto de sobrevivência dos militantes que levará a não dar um passo que me parece que acantonaria o PSD e o faria regressar a um tempo em que não foi feliz".
Se há crítica que cabe a Rui Rio é que ele não superou o Passismo.
Rui Veloso cantava que não se deve voltar "ao lugar onde já foste feliz", mas a regra para o PSD parece ser evitar um lugar que evoca tempos difíceis. Mas esta fórmula, lembra Daniel Oliveira, não é fácil de acertar no interior de um partido tão dividido. "Conheço as pessoas que rodeiam Montenegro, e parece-me que são aqueles que não aceitaram a derrota do Passismo. Têm dificuldade em aceitar a derrota do Passismo, até porque não foi clara; não perdeu de facto nas eleições; porque concorreram coligados com o CDS."
"Se há crítica que cabe a Rui Rio é que ele não superou o Passismo, e, se o tivesse ultrapassado, mesmo que tivesse sido difícil no início do seu mandato, provavelmente hoje teria um discurso mais claro e compreensível para o país e que este não continuasse a ser referente à vitória nas eleições de 2015, desde as quais já passou algum tempo."
Por isso, fica a pergunta do jornalista: "Conseguirá o PSD superar o Passismo?" Não é uma superação para estas diretas, em que, analisa Daniel Oliveira, os candidatos se dedicaram unicamente a "disputar taticamente o eleitorado".
* Texto redigido por Catarina Maldonado Vasconcelos