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Não há passes de mágica, exercícios arriscados ou novidades estonteantes. Já se previa que o alívio no IRS fosse a medida mais emblemática da proposta de Orçamento para 2024 e Fernando Medina preparou diversas simulações procurando demonstrar que no próximo ano os portugueses terão mais dinheiro disponível no bolso. A somar a ganhos salariais e fiscais, o ministro das Finanças juntou parcelas que pesam muito nas contas do mês, como as bonificações na habitação ou as creches gratuitas.
São medidas simpáticas para a classe média, havendo também um importante piscar de olho aos pensionistas. Politicamente o Governo tira da cartola um alívio fiscal ligeiramente acima do pedido pelo PSD - embora com efeitos apenas no próximo ano e não no imediato, como defendia o partido liderado por Luís Montenegro. Não se antevê, contudo, capacidade para conter uma contestação social crescente, ainda que haja um aumento estatisticamente sonante das transferências diretas na saúde.
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Apesar dos sinais positivos, possíveis porque a economia continua a crescer (ainda que o ritmo abrande) e porque estamos muito perto do pleno emprego, com mais um milhão de pessoas a trabalhar do que em 2015, assegurando que os níveis da receita fiscal e as contribuições sociais se mantêm elevados, o orçamento é de continuidade no sentido das contas certas.
"Estabilidade política" ou "credibilidade financeira" foram alguns dos lemas com que o ministro das Finanças abriu a apresentação pública, insistindo que é graças à melhoria do rating que Portugal consegue escapar a maiores encargos com juros. Donde, conclui, são as contas certas que permitem libertar verbas para apoiar as famílias. Já conhecemos o sermão e ontem tivemos mais um momento de exaltação do rumo de redução da dívida pública, que pela primeira vez desde 2009 deverá ficar abaixo dos 100% do PIB.
Esta previsão poderá, de resto, contar com um empurrão no caso de venda da TAP. Não há previsão de receita inscrita no Orçamento do Estado porque, como justificou Medina, a verba resultante de privatizações é obrigatoriamente canalizada para redução de dívida pública. É natural que as estimativas e percentagens a alienar não estejam no documento, numa altura em que a informação ao mercado poderia prejudicar as negociações, mas fica assim claro que os portugueses não beneficiarão de forma direta de um negócio que teve fortes custos e danos públicos.
Até à aprovação final, é longo o debate no Parlamento e muitas as propostas de alteração que a Oposição tentará inscrever. Já sabemos, no entanto, que as mais significativas ou de impacto orçamental relevante estarão condenadas ao fracasso. Não apenas porque a maioria absoluta socialista basta para que o orçamento passe, mas porque o próprio ministro das Finanças antecipou reações e disparou contra a irresponsabilidade de quem, na Oposição, promete "dar tudo a todos". Mesmo que saibam a pouco, as contas do Governo estão feitas. E continuarão a ser certas, sem riscos ou abertura generosa dos cordões da bolsa.
