"A Opinião" de Fernanda Câncio na Manhã TSF.
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Apagar mails, muitos mails. É o que faz qualquer pessoa que tenha um endereço de email. No meio da fúria apagadora é provável que desapareçam comunicações interessantes ou até importantes - a partir de certa altura vai tudo a eito.
Era, porém, suposto que deixasse de ser assim. Quando há um ano fomos prevenidos de que ia entrar em vigor o Regulamento Geral de Protecção de Dados Pessoais, por força de uma directiva europeia, ficámos com a ideia de que só os remetentes comerciais e empresariais que autorizássemos expressamente a usar os nossos dados - no caso o endereço de email - poderiam continuar a enviar-nos comunicações.
Sucede que - baseio-me na minha experiência - nada mudou. As minhas caixas de email, quer as pessoais quer a profissional, continuam um pesadelo de correio não solicitado. E o mesmo sucede muito frequentemente com SMS e até chamadas.
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Não é raro receber telefonemas a tentar impingir-me isto ou aquilo, ou até usando esquemas fraudulentos, como quando uma voz de mulher me assegurou, mal atendi o telefone, que "tinha passado na triagem do hospital" para tentar levar-me - ou seja, a qualquer pessoa que lhe atendesse a chamada, de preferência idosa e pouco avisada - a uma determinada clínica para "fazer um check up grátis" que de grátis, decerto, nada tinha.
Ao contrário do que nos foi afiançado aquando da entrada em vigor do regulamento, continua a haver uma miríade de empresas com acesso não autorizado aos nossos endereços e números de telefone e que usam esses dados para nos seringarem o juízo e até, como tem acontecido, para celebrarem contratos de que o próprio só tem conhecimento quando lhe surge a conta para pagar.
Por mais cruzinhas que façamos no NÃO - não, não dou autorização para partilharem os meus dados nem quero receber comunicações da vossa actividade, nem promoções, nem o raio que vos parta - o mais certo que temos é que esses dados sejam tratados de forma não autorizada e rentabilizados.
A cereja no topo do bolo é que agora basta abrir a página de um meio de comunicação social para termos de clicar num "aceito" sem saber o que estamos a aceitar. E no caso português temos ainda essa extraordinária invenção que dá pelo nome de Nónio.
O Nónio, com as suas gritantes debilidades técnicas - por que motivo alguém que, num determinado aparelho, já fez o login num site de jornal tem de o voltar a fazer sempre que lá volta ou quer ler outra notícia? Por que é que por vezes, mesmo quando fazemos e refazemos login, não conseguimos entrar? - e a sua vocação intrusiva, em que emula o princípio de produtos como o Facebook, o Twitter e o Google (ou seja, "se é grátis, o produto és tu"), é capaz de ser a melhor invenção de sempre para acabar com a leitura que os jornais online ainda têm.
É verdade que andamos, no jornalismo, que nem baratas tontas a tentar perceber como sobreviver. Mas era escusado sermos tão claros nesta cena de "se não podes vencê-los junta-te a eles."
*a autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990