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A crise nas urgências de obstetrícia, que lançou no país o debate em torno das fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), foi o mote para o comentário desta semana de Daniel Oliveira na TSF. Considerando que não tem havido qualquer "preconceito ideológico que impeça o acesso ao privado", o comentador constata que "tem havido um salto de contingência em contingência, em que os problemas estruturais se acumulam e os buracos são tapados pelo recurso desesperado ao privado, sem racionalidade financeira ou de gestão meios".
Todavia, para o jornalista, não estamos a assistir a uma privatização do SNS. "Isso, ao menos, seria uma escolha política que poderíamos debater e mostrar como ela tem sido errada onde foi adotada." "Aquilo a que estamos a assistir", diz, "é um desmembramento lento do SNS que é privatizado aos bocados de forma irracional e caótica, um processo que é causa e consequência da decadência do SNS".
No entender de Daniel Oliveira, "proteger o SNS não é negar esta realidade, nem culpar a Covid que apenas foi o empurrão final de quem estava à beira do precipício, ou Passos Coelho, ou os partidos que fizeram cair o governo" - argumentos que têm sido utilizados pelo Governo no confronto político. Proteger o SNS é "assumir de frente os seus problemas estruturais" e "o debate não é como entregar mais uma função do SNS ao privado, mesmo quando isso não faz sentido, para não resolver os problemas". A questão, defende, também "não é se Marta Temido é muito, pouco ou nada culpada".
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Para o cronista, no centro do debate deve estar a carreira médica e o aumento dos salários para quem quer dedicação exclusiva ao SNS. A somar a isso, as "obras urgentes" que vários hospitais precisam. Sendo inegável que tudo isto custa dinheiro, Daniel Oliveira lembra que, os EUA, sem SNS, "gastam 17% do seu PIB, quase o dobro de Portugal, para conseguirem piores indicadores". "E o nosso desperdício tem saído bem mais caro do que se fossem dados meios ao SNS", enfatiza.
Nesse contexto, Daniel Oliveira vê a crise nas urgências de obstetrícia como "um sintoma da desadequação de meios às necessidades do SNS" que se agrava quando chega ao verão "porque as urgências dependem, mesmo em tempos normais, de médicos tarefeiros".
"O sistema é tão absurdo que temos médicos que trabalham num hospital público a fazer urgências noutros hospitais públicos como tarefeiros porque recebem muito mais do que receberiam por essas horas extra no seu próprio hospital", critica o jornalista, defendendo que "não é esmifrando os médicos do SNS para fazerem mais horas extraordinárias que se resolve a irracionalidade do sistema". O problema também não se resolve recorrendo ao "automatismo ideológico de quem nada propõe para resolver a crónica falta de meios do SNS e tem como solução para cada problema atirá-lo para privado".
Daniel Oliveira afirma que o facto de o recurso ao privado ter sido todo o discurso dos principais partidos da oposição "diz tudo sobre a sua falta de propostas para o SNS". E frisando que o privado não resolve tudo apenas porque "na cabeça de alguns políticos" isso acontece, defende que, como se viu durante a pandemia, "os privados podem ajudar em aflições, mas não estão preparados para responder a picos de emergência". Neste caso específico, aponta, "nem sequer têm as reservas de sangue para urgências de obstetrícia de maiores dimensões".
O cronista sublinha ainda que apesar de se gastar cada vez mais em saúde, o SNS não melhora: "O Estado gasta mais de 40% do dinheiro destinado à saúde nos privados, um peso crescente que, como se vê, não tem garantido um sistema mais racional." O problema, conclui Daniel Oliveira, "nunca foi não se aproveitar a capacidade instalada do privado". "Foi não se aproveitar, por falta de contratação de médicos, a capacidade instalada do público", diz, dando o exemplo dos hospitais públicos que recorrem às máquinas dos privados por não conseguirem contratar quem opere as suas. "O dinheiro é mandado para o lixo e isso resolve-se mandando mais dinheiro para o lixo", lamenta, por fim.
*Texto redigido por Melissa Lopes