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Em queda desde que começou a geringonça, e responsabilizados pelo Partido Socialista por esta crise, "é natural que o Bloco de Esquerda e o PCP tentassem defender o seu espaço e tivessem escaramuças com o PS", refere Daniel Oliveira, sublinhando também ser "natural" que, "no momento da crise política, o PS responsabilizasse os seus supostos parceiros por estas eleições".
"Um dia se fará, com a devida distância, a arqueologia desta crise, dos seus responsáveis ou da sua inevitabilidade. Mas tudo isto era expectável na pré-campanha. O que não se esperava é que chegada a campanha propriamente dita, com o BE e o PCP muito em baixo nas sondagens e sem mais eleitores para libertar, o PS continuasse concentrado neste flanco. António Costa queria reduzi-los a zero", afirma.
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No espaço habitual de Opinião, que ocupa semanalmente na TSF, Daniel Oliveira questiona "em que é que isso poderia ser bom para o PS". "Acha que o PAN e o Livre poderão alguma vez substituir a implantação política do PCP e do Bloco, que já tiveram, juntos, quase 20% dos votos e que representam desde 1999 sempre mais de 10% dos portugueses?"
Para o jornalista, esperava-se que o objetivo do PS fosse "ganhar as eleições num cenário de maioria de esquerda para que não ficasse dependente do PSD". "Feitos os previsíveis ataques à esquerda, devolvidos os previsíveis contra ataques de quem luta por manter o seu espaço, estava ali Rui Rio, principal oponente, para ser enfrentado pelo primeiro-ministro", diz.
O que não se esperava é que chegada a campanha propriamente dita, com o BE e o PCP muito em baixo nas sondagens e sem mais eleitores para libertar, o PS continuasse concentrado neste flanco
"Mesmo que o objetivo do PS fosse a maioria absoluta, ela nunca foi conquistada pela redução do eleitorado à sua esquerda. Pelo contrário. Guterres, que conseguiu metade dos deputados, fê-lo com o Bloco a chegar ao Parlamento e os partidos à sua esquerda com mais 3 pontos percentuais do que antes. Sócrates conseguiu a maioria absoluta com o Bloco e o PCP a valerem juntos mais 4 pontos percentuais do que na eleição anterior. As maiorias absolutas conquistam-se ao centro. Nunca secando o resto da esquerda. Historicamente, até se conquistam com o crescimento dos partidos mais à esquerda", argumenta.
Daniel Oliveira relembra que António Costa "começou a campanha a dinamitar todas as pontes que lhe permitiam governar e acaba a primeira semana a pedir o voto útil para ganhar sem se perceber para governar com quem".
Rui Rio é um autoritário, totalmente impreparado para a governação e com aliados que farão exigências com um fortíssimo preço social. Sem discurso político próprio, cederá à agenda radical e classista da IL. E está disposto a depender dos deputados do Chega para governar
"Concentrados nos parceiros de 2015, que estão reduzidos ao núcleo duro dos seus eleitores depois do abraço do urso da geringonça, não falou para quem interessava: para os eleitores que podiam fugir para o PSD", considera, assinalando que isso aconteceu "enquanto Rui Rio não dizia nada, não defendia nada e limitava-se a exibir um sorriso postiço e a não hostilizar os partidos do seu campo". "Quando Costa acordou, finalmente, do seu ajuste de contas, a que volta de vez em quando sem se perceber para quê, já estava instalado o registo piadético que Rui Rio decidiu ter na sua campanha. Um registo que torna difícil mostrar os perigos que dali vêm. E vêm", reconhece.
Na perspetiva do jornalista, Rui Rio "é um autoritário, totalmente impreparado para a governação e com aliados que farão exigências com um fortíssimo preço social". "Sem discurso político próprio, cederá à agenda radical e classista da Iniciativa Liberal. E está disposto a depender dos deputados do Chega para governar."
"Rui Rio ficou tão livre, que até se reinventou. O homem, que não conseguiu unir o seu partido e que há poucas semanas fez uma purga nas listas do PSD, apresenta-se como alguém que se dá bem com toda a gente. Rio sempre disse que as eleições não se ganham, perdem-se. Por isso, as esvaziou de política. Sorri, diz umas coisas simpáticas, e mostra o seu gato, Zé Albino, que num momento importante para o país se transformou na estrela do circo que as televisões, elas próprias vazias de política, adoram", atira.
António Costa tem quatro dias para fazer o que não fez nestes meses: disputar votos com o PSD
"Agastado e crispado com aqueles com quem não disputa a vitória", Daniel Oliveira considera que Costa "desperdiçou semanas sem confrontar Rui Rio". "Achou que isso estava no papo. E desafiando a história, julgou que se secasse o resto da esquerda, poderia ter a maioria absoluta. Acordou esta semana. Tem quatro dias para fazer o que não fez nestes meses: disputar votos com o PSD. E para fazer figas para que a gestão satisfatória da pandemia e os resultados decentes destes seis anos, sobretudo os primeiro quatro do tempo em que realmente havia uma geringonça, pesem mais do que o seu taticismo suicida e do que o sorriso de Rui Rio", frisa.
Da esquerda, "de toda ela", o jornalista diz que se espera que passe os próximos dias a "falar do que propõe para o país, confrontando-se com a direita". "No fim, conta o que sempre contou. Desentendimentos que se façam ou não se façam, falar-se-á no dia 31 de janeiro, com os votos que cada um conquistar. A esquerda, se não quer perder, não precisa de dramas, chantagens, golpes de teatro. Só preciso de segurar, toda ela, os votos que conquistou em 2019", finaliza.
* Texto redigido por Carolina Quaresma